Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 24 de maio de 2024

SER SALOIO NO SÉCULO XXI



 Dos termos da Cidade aos lugares dos Saloios ainda hoje assim chamados, é ter presente uma paisagem cultural, social e económica que percorre milhares de quilómetros de afinidades.

O Património é a chave que nos abre a porta.
A principal zona saloia partilha uma ocupação de territórios que se estende de Loures a Mafra e Sintra (territórios rurais da região norte da Área Metropolitana de Lisboa) e outras franjas que bordam estes longos caminhos de trabalho mais agrícola, mais terra e água. Mais natureza.
Engenhos para erguer águas, picotas, azenhas, almoinhas tratadas com regos, qual geometria de campos, moinhos com velas que parecem barcos à bolina no alto destes montes mores que se unem procurando sempre mais azul, como o Poeta.
Telhados baixos, casas de alfaias, e de animais, forno para assados e pão. Em feiras e romarias sempre se saboreou o doce , bolos fofos, pão doce, queijadas, fatias paridas, arroz doce e aletria: quotidianos (duros) de sardinha assada com pão, fritos de bacalhau, pataniscas, as azeitonas, o pão saloio de Mafra, o azeite generoso, as alfaces dos alfacinhas e dos grelos com azedas – ai tantos impostos para se poder comerciar na capital!
E no meio das trouxas de roupa e das incontornáveis lavadeiras, património identitário dos Saloios (merecedor de ser Património de Humanidade) metem-se os pés e as mãos, as enxadas para abrir regos, no Trancão que parte da Póvoa da Galega, atravessa Milharado e chega a Loures, correndo por Bucelas, torneando Frielas, Unhos e chega até ao Tejo, já cansado.
Mas também no Safarujo que vem da Malveira, banha Ribamar e se espraia no Atlântico e o Rio de Mouro, o rio de Colares que desagua nas Maçãs, com águas do Almagre, de Nafarros e do Mucifal, da Mata, da Urca e de Janas.
E a completar esta terra generosa, as frutas, o gado, as ovelhas, as cabras, as vacas leiteiras e os belos queijos frescos ou curados!
— Esta gente de trabalho, mourejando pela vida. Tantas carroças a chiar, pouco barulho…
É com este conjunto base que imaterialmente se consolida a música, a dança, tradições que sobrevivem na cozinha com a sopa de beldroegas, da sopa rica de cebola, das sardinhas saloias (não as de Lisboa!), do bacalhau às queijadas e cabritos à moda da minha avó.
E bom vinho! Sempre bom vinho. Abençoadas encostas que criam terroirs de fama!
Sempre bom pão, água fresca, pão e música que isto de viver sem ela, não. E dançar, pois, namorar e comemorar, festejar! Muitos ranchos e bandas!
Muito trabalho. Artesanatos de empalhamentos, cestarias, barros; rezas e tratamento de doenças, que ainda as há, ajudas e solidariedades: com esta argamassa se construiu ser Saloio ao longo da história.
Vamos ao início, à palavra: Çahruiu/Çahroi, Çalayo, saloio, é termo de origem árabe, aponta para a terra, gente de fora da cidade. De Lisboa.
Os contextos alteraram-se, pois. A vida não se quer imóvel.
Hoje, há uma nova abordagem da espacialidade, sustentada pelo relevo posto nos valores culturais.
O lugar que antes era preservado e em que existia uma ligação mais afectiva, agora é consumido, com as suas especificidades intrínsecas de bem ou património natural, cultural ou turismo.
Os Saloios do século XXI serão necessariamente diferentes, mas é pela mudança que também se mantém o essencial diferenciador da tradição. Redefinindo a importância e aproveitamento das diferenças em termos de oferta socioeconómica e turística – as particularidades endógenas são únicas e não reproduzíveis – aqui estamos sempre, nós, os Saloios.
O mundo peregrina em busca de algo único, de experiência e de sentidos: temos algo que evoca a diferença mesmo ao pé da capital.
Ser Saloio no século XXI é saber de onde se veio, por onde se caminhou e porque estamos aqui com o nosso lugar e espaço.
Uma identidade, uma diferença, uma marca, sem dúvida.
Somos saloios e gostamos de ser, sim senhor!
— Tem dúvidas? Venha até nós e junte-se à Amália Rodrigues: “já me mandaram cantar… o bailarico saloio…”.

(António Fernando Serra)

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.