«Júlio Fogaça era um jovem fidalgo rico e herdeiro de 178 hectares de boas terras no Oeste, quando, no início dos anos 30, aderiu ao Partido Comunista Português, pela mão do seu fundador histórico, Bento Gonçalves. Preso juntamente com o líder e mestre, foi parar com os costados ao campo de concentração do Tarrafal, onde Gonçalves havia de morrer, não sem antes lhe ter passado o testemunho da liderança dos comunistas portugueses, pedindo-lhe que reorganizasse o partido e o expurgasse das infiltrações operadas pela PIDE. Fogaça revelou-se, então, um líder duro e competente, tendo mesmo descoberto e recrutado alguns novos talentos, entre os quais um tal Álvaro Cunhal. Os dois homens, porém, logo viriam a desenvolver uma implacável rivalidade, na luta pelo poder interno. Mas Júlio Fogaça revelaria um handicap negativo que o perderia junto dos comunistas: o da sua homossexualidade, um pecado interdito no quadro do conservadorismo moral do partido, pelo menos, à época. A pretexto da sua captura, pela polícia política de Salazar, juntamente com o namorado, na Nazaré, a 28 de agosto de 1960, é expulso do PCP, pela suposta "grave violação das regras de segurança conspirativa e de clandestinidade", abrindo espaço à longa liderança de Cunhal. (Na verdade, se, de cada vez que um militante se deixasse prender, fosse alvo de expulsão por tais motivos, o PCP rapidamente teria desaparecido...). Seja como for, a vida de Júlio Fogaça deu um livro, agora lançado pelo jornalista e historiador Adelino Cunha. E esta trama de poder, clandestinidade, resistência e sexo é, esta semana, o tema de capa da VISÃO, magistralmente desenvolvido pela pena do J. Plácido Júnior. Em complemento, este vosso amigo procura explicar, numa página, com exemplos concretos, as razões históricas de um certo conservadorismo moral dos comunistas portugueses.»
Revista VISÃO, 18 de outubro de 2018