A 22 de dezembro de 1969, morre, em Vila do Conde, o escritor português José Régio, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira.
Régio abordou diversas formas literárias: a poesia, o texto dramático e a ficção em prosa. Escreveu, ainda, Correspondência, Ensaios, Críticas e História da Literatura.
Em 1926, publica o seus primeiros textos poéticos: Poemas de Deus e do Diabo.
A sua obra Benilde ou a virgem-mãe estreia a 15 de novembro de 1947, no Teatro Nacional, em Lisboa, encenada por Amélia Rey-Colaço. Em 1975, Manoel de Oliveira haveria de realizar um filme baseado neste drama.
Na ficção, poderemos salientar Davam grandes passeios aos domingos(1941), considerada uma das suas obras mais relevantes.
Em 1965, Amália Rodrigues grava um LP que receberia o nome da composição de abertura: Fado português, da autoria de José Régio.
Em conjunto com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões, funda, em 1927, a revista Presença, que viria a ser publicada, de forma irregular, durante treze anos. Esta revista impulsionaria o segundo modernismo português.
Régio escreveu em praticamente todos os jornais e revistas importantes da sua época, sendo digna de relevo a sua participação na Seara Nova.
Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!