«Evadido da cadeia há oito anos, Lorosa de Matos apresentou-se a procuradoras do DIAP e vivia com uma até ser capturado. Dizia a M.B. que era polícia.
Simpático, aprumado e bem falante. O nome e cartão da Polícia Judiciária falsos fizeram o resto. Traçou os alvos e não falhou – duas procuradoras do Ministério Público, amigas, que conheceu à noite, seduziu à vez, burlou e a quem terá tentado sacar informações de processos judiciais no DIAP de Lisboa. Era afinal José Matos, 42 anos, evadido da cadeia há oito anos – quando o deixaram sair para ir encontrar Rui Pedro, menino desaparecido – e a sua última vítima, magistrada M.B., vivia com ele apaixonada numa relação desde 2007. Já voltou à cadeia, desmascarado pela verdadeira PJ.
Entretanto, a primeira magistrada que foi vítima do burlão, S.M., mantém agora uma relação amorosa com um amigo de José António Lorosa de Matos, que estava com este último quando conheceram as procuradoras. Os dois eram amigos da cadeia de Pinheiro da Cruz, para onde o burlão voltou em Dezembro passado – depois de identificado e localizado pela Unidade de Contra-Terrorismo da PJ.
O escândalo foi conhecido nos meios judiciais em finais de 2010 – e o caso caiu como uma bomba no DIAP de Lisboa. Maria José Morgado ordenou um inquérito imediato de apuramento total e com carácter de urgência, delegando competências no departamento da PJ liderado por Luís Neves. Era crucial recapturar o burlão mas, mais do que tudo, apurar a gravidade e a extensão da quebra de segurança e eventual responsabilidade criminal das duas magistradas. A investigação não está encerrada, mas, até agora, não há indícios que apontem no sentido de M.B. e S.M. terem passado informações judiciais privilegiadas a Lorosa de Matos. Apesar de ser esse um dos seus objectivos, ao ter-se apresentado como investigador da PJ, só terá sido descoberto no seu computador um despacho de acusação do DIAP.
Uma das especialidades do burlão, considerado o novo capitão Roby, é a falsificação de documentos, pelas várias identidades com que se apresentou a inúmeras vítimas na última década. De resto, mantinha em simultâneo a relação amorosa com a magistrada M.B. e outras mulheres. As vítimas contraíam dívidas para lhe sustentarem vícios – entre eles um carro Audi e uma moto.
A magistrada e o foragido da cadeia viajaram pelo estrangeiro, fizeram vida de casal em Lisboa, e Lorosa de Matos foi apresentado a outros procuradores, colegas de M.B.. Um dia esta foi alertada para o facto de as funções que Lorosa dizia exercer na PJ não existirem. O burlão fugiu quando se sentiu a ser desmascarado, mas a verdadeira PJ caçou-o em cerca de dois meses.
INVESTIGAÇÃO DA PJ CHAMA PROCURADORES E UM JUIZ
Lorosa de Matos apregoava ser altamente bem relacionado nos meios judiciais e policiais. Quem privou com ele nos últimos dois a três anos – colegas das duas magistradas do DIAP que foram vítimas do burlão – recorda as ‘histórias’ que o falso PJ contava sobre procuradores do Ministério Público ou juízes, um facto que a investigação da Polícia Judiciária desvaloriza e encara como fazendo parte do modus operandi do burlão, para fazer crer às vítimas de que era alguém com peso no meio. De qualquer forma, apurou o CM, alguns procuradores e pelo menos um juiz já foram chamados recentemente à Unidade de Contra-Terrorismo da PJ, para que ficasse cabalmente esclarecido que não têm qualquer relação com o burlão, falso investigador da PJ, e que nem sequer o conhecem.
JUSTIÇA DEIXOU-O FUGIR NO CASO RUI PEDRO
José António Lorosa de Matos, o burlão que andou fugido oito anos e nos últimos três andou a enganar duas magistradas do DIAP de Lisboa, cumpria sete anos e meio de cadeia em Pinheiro da Cruz, quando, em 2003, convenceu a Justiça de que era capaz de levar as autoridades até ao paradeiro de Rui Pedro, menino desaparecido de Lousada, em Março de 1998, e que a Judiciária nunca encontrou. Condenado por vários crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, ameaça e extorsão na região de Viseu, obteve assim uma saída precária de cinco dias. A licença permitia-lhe também deslocar-se ao estrangeiro na pista de Rui Pedro.
O esquema engendrado por Lorosa de Matos estendeu-se a José Cândido Teixeira, o avô materno da criança desaparecida misteriosamente, homem de posses, proprietário de uma escola de condução e que nunca olhou a despesas para encontrar o neto.
O recluso saiu da cadeia em 26 de Junho de 2003. José Cândido Teixeira, esperançado nos bons ofícios do burlão, não se poupou a esforços. Deu-lhe um cartão de crédito (ilimitado), três telemóveis (um de cada rede) e um Volvo S80. Lorosa de Matos garantiu que estava na posse de informações sobre o paradeiro de Rui Pedro e prometeu guiar a Polícia Judiciária até ao menino. O Ministério Público e o avô da criança acreditaram no burlão.
Lorosa de Matos já tinha tentado golpe idêntico com inspectores da Polícia Judiciária do Porto ligados à investigação do desaparecimento do menino. Mas os polícias não caíram no logro. Desta vez, mal se apanhou ao volante do Volvo e com o cartão de crédito no bolso, o burlão desapareceu: sabe-se agora que, até ter sido recapturado pela Unidade Nacional de Cotra-Terrorismo, já este ano, praticou várias burlas por todo o País, nomeadamente na zona de Aveiro, onde se fez passar por engenheiro. E o golpe final foi dado às duas procuradoras.
Entretanto, o avô de Rui Pedro já faleceu – sem que Lorosa de Matos lhe devolvesse o carro e o dinheiro ou o levasse ao paradeiro do neto.
JÁ ESTÁ A CUMPRIR 14 ANOS PELOS CASOS CONHECIDOS
Pelos últimos crimes conhecidos, burlas qualificadas, falsificação de documento, extorsão e abuso de confiança no esquema das obras de auto-estrada, em 2003, na zona de Sever do Vouga, Lorosa de Matos foi condenado há dois meses a mais seis anos e meio de cadeia – ao todo já está a cumprir 14 anos. Mas há outros processos pendentes, uns à espera de acusação e outros já com julgamento à vista.
SACA 120 MIL COMO ENGENHEIRO
Quando fugiu da cadeia no Alentejo, em 2003, José António Lorosa de Matos rumou ao Norte para novos golpes. Obras no antigo IP5 foram o isco, depois transformado em A25, na zona de Sever do Vouga, onde se apresentava com um cartão de engenheiro mecânico, ao serviço de uma das maiores construtoras do País. E assim obteve empréstimos de milhares de euros com o pretexto de pagar ‘luvas’ para arranjar negócios em obras da auto-estrada. Confiaram-lhe dinheiro para pagar comissões que permitiriam, segundo garantia, arranjar subempreitadas chorudas em obras rodoviárias na empresa onde supostamente trabalhava. E outros empréstimos foram adiantamentos para quotas numa sociedade e negócios de automóveis. Ao todo, em pouco mais de um mês, Lorosa burlou em cerca de 120 mil euros três empresários e o ex-reitor de uma universidade privada. »
in CM online, 23-6-2011
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