Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Passos Coelho mentiu e o Estado de Direito sentiu!



«1. Voltamos hoje ao caso Bairraogate. Razão: a extraordinária e esclarecedora investigação levada a cabo pelo Expresso sobre (a real) justificação do afastamento de Bernardo Bairrão do elenco governativo. Afinal, é verdade que Passos Coelho utilizou um relatório dos serviços de informação da República Portuguesa para apurar eventuais negócios menos transparentes do ex-administrador da TVI. Com uma diferença face aquilo que aqui já escrevemos: o relatório foi elaborado ainda na era do governo José Sócrates - e não por encomenda originária de Passos Coelho. Confirma-se, além disso, a omnipresença da - quem mais? - Ongoing em mais um processo que é altamente censurável.

2. Mas será que este caso é marginal? Pouco relevante num momento em que o país se confronta com questões muito delicadas do ponto de vista económico-financeiro? Sim, caro leitor, as questões financeiras do país são vitais para o nosso futuro - mas não devem (não podem!) absorver tudo o resto da discussão política. O caso Bairraogate constitui uma ameaça aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e deve ser - categoricamente! - denunciada. O que se passa é o seguinte: os serviços de informação portugueses - que têm como função legal investigar ameaças à segurança e soberania nacionais - investigaram as relações económicas de um cidadão português (no caso, Bernardo Bairrão) com empresários africanos. Ora, o que está aqui em causa é a intromissão abusiva de uma entidade administrativa - é esta a natureza jurídica dos serviços de informação - na esfera privada de um cidadão. O estabelecimento de relações económicas e financeiras com empresários estrangeiras integra o conteúdo essencial da liberdade de iniciativa privada e económica, que é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa. A afectação de um direito fundamental - pelo menos, a definição do seu quadro jurídico - tem de ter uma intervenção mínima da Assembleia da República (nem que seja a autorização para o executivo legislar). Pois bem, os serviços de informação secreta estão sob a dependência direta do Primeiro-ministro - o que significa que, caso deixemos que o campo de intervenção do SIS seja arbitrário, o Primeiro-ministro pode a seu belo prazer mandar investigar qualquer um de nós. Sem critério. Apenas por conveniência pessoal ou política. Não nos podemos deixar vergar perante violações dos nossos direitos fundamentais - são eles a nossa defesa perante o poder político. Caso contrário, será o fim do Estado de Direito. O caso Bairraogate é mais um episódio negro da nossa democracia: as secretas foram usadas - mesmo! - para investigar a vida profissional de um cidadão. Se se suspeitasse da prática de algum crime, seriam os órgãos de investigação criminal (nomeadamente, a polícia) que teria de atuar, respeitando as vinculações legais constante do Código de Processo Penal e da Constituição. Utilizar as secretas para investigar Bairrão constituiu um desvio de poder (ou seja, exercer os poderes que a lei reconhece a certas entidades administrativas para um fim diferente do legalmente pretendido) e uma inconstitucionalidade flagrante na nossa perspectiva.

3. Que dizer quanto à decisão de Passos Coelho? Respeitamos que tenha querido afastar Bairrão para não criar suspeitas sobre o executivo e desgastá-lo objectivamente com casos do passado dos seus membros. Todavia, recorreu a um relatório do SIS que, a nosso ver , é ilegal e inconstitucional para fazer um juízo negativo sobre Bairrão. O que, convenhamos, não lhe fica bem. Em segundlo lugar, Passos Coelho mentiu - e mentir é muito feio - quando negou a utilização dos serviços de inteligência para obter informações sobre Bairrão.

4. Por último, lá voltamos nós à Ongoing. É impressionante como neste país de brandos costumes , considere-se normal que o ex-diretor dos espiões seja contratado para uma empresa privada para utilizar informações que recolheu no exercício das suas anteriores funções públicas. Isto é a promiscuidade pura entre o público e o privado! Eu já nem vou ao ponto de pedir um bocadinho de ética e de sentido de respeito pelas funções públicas que exerceu (já para não dizer descaramento) a Jorge Silva Carvalho. Para nós, seria inconcebível aceitar um cargo na Ongoing para divulgar a uma empresa privada informações confidenciais. mas, enfim, cada um sabe as linhas por que se cose. Julgamos que, no entanto, deveria existir um impedimento legal - claro e expresso - que proibisse este tipo de migrações laborais muito suspeitas. Um dos aspectos que iremos verificar com muita atenção é a pressão (e a influência) que a Ongoing exercerá sobre este governo de Passos Coelho...Estou curioso...»


por João Lemos Esteves, Expresso online, 27-7-2011


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