Comprou uma casa, teve dois filhos, abriu
empresas em seu nome. Afinal, era um dos homens mais procurados nos
EUA
Maria do Rosário tinha a barriga empinada a
cair da cintura. Era uma mulher feliz, prestes a ter um filho, a olhar para a
casa de portadas amarelas baptizada com o nome de “Casa das Escadas”. Era ali,
naquela descida das Casas Novas, em Colares, Sintra, que ela e Jorge podiam
começar uma vida nova. Conheceram-se na Guiné-Bissau, durante a temporada em que
ela vivera com o pai, major das Forças Armadas, naquele país. Depois, vieram
juntos para Portugal. Compraram a casa velha e reconstruíram-na. Contrataram uns
pedreiros; ele, que tinha jeito para as artes, ofereceu-se para tratar da
pintura.
Foi assim, há 26 anos, que um dos
criminosos mais procurados nos Estados Unidos se transformou no homem
“trabalhador”, “pacato” e mestre da simpatia de quem os vizinhos, claro, como é
costume, nunca desconfiaram. Os vizinhos que já ali viviam souberam que quem ia
comprar a casa era um americano. Mas o que conheceram foi Jorge, um homem com
identidade portuguesa, com um sotaque por vezes “difícil de entender”.
Meses depois de Jorge e Maria do Rosário
irem viver para aquela casa, nasceu Marco, que na adolescência seria um adepto
do graffiti. Seis anos depois, nasceu Sara que, como excelente nadadora, se
tornou atleta federada. Hoje ela tem 20, ele 26, e ambos ainda vivem na casa dos
pais. O George Wright condenado por homicídio nos EUA e pirata do ar deixou de
existir. Agora era o José Luís Jorge dos Santos, figura difícil de esquecer nos
seus 1,82 metros.
Fundou vários negócios, quase todos
ruinosos. Teve um restaurante, uma churrasqueira, uma loja de serviços na Praia
das Maçãs registada no seu novo nome, fundou uma empresa online para oferecer os
seus serviços como pintor, vendeu cosméticos da marca brasileira Racco, fazia
biscates como reparador de móveis. A vida nem sempre foi fácil. O vizinho Vítor,
que vive numa casa colada à sua, chegou a arranjar-lhe um trabalho na construção
civil. “Mas ele não sabia pintar, não tinha aquele ‘ajeitamento’. A coisa dele
era outra pintura, mais artística”, lamenta o vizinho. Na altura em que Jorge
tinha a churrasqueira e Vítor era pescador, o americano da Virgínia bateu várias
vezes à sua porta, olhos fixos nos pés, cara baixa de vergonha. Oferecia uns
frangos em troca de peixe para poder variar na comida que levava à mesa. Vítor
oferecia o peixe, mas dispensava o frango. “Já vinham assados. Sabia lá os
pontapés que já tinham levado.”
Jorge chegou a oferecer-se para dar treinos
de basquetebol aos miúdos da freguesia – tinha sido jogador e treinador da
modalidade na Guiné-Bissau. Convidava o vizinho Vítor para dar umas voltas de
carro e ir comprar tintas com ele a Alcabideche. Brincava com a vizinha
Fernanda, que até agora está de “queixo caído” com a notícia. Não se escondia.
Não se trancava em casa. Não desconfiava dos vizinhos. Tinha página de Facebook,
fotos espalhadas por blogues na internet. Recebia amigos em casa todos os
fins-de-semana. Falava com o vizinho e antigo treinador de natação da filha
sobre o desporto na América.
Na segunda-feira, nenhum dos vizinhos da
casa amarela viu a polícia chegar. A mulher, Maria do Rosário, não voltou a sair
à rua. Fechou os taipais de todas as janelas, esqueceu-se da torneira do quintal
a correr. O grande mistério que ninguém sabe resolver é se ela sabia que Jorge
afinal era George, um homicida condenado e foragido à polícia há 41 anos. Ou se
Jorge chegou até si sem passado e só quando a PJ chegou para prender o marido é
que Maria do Rosário descobriu o homem que guardava em casa.
in jornal i online, 29-9-2011