Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Mário de Sá-Carneiro em Camarate



 

Mário de Sá-Carneiro nasceu a 19 de maio de 1890, no terceiro andar do número 93 da Rua da Conceição, em Lisboa.
Apesar de curta (morreu aos 25 anos), a sua vida foi de tal modo intensa que um dos seus intérpretes, M. Antunes, chegou a descrevê-la como “um dia breve e tempestuoso de inverno”.
Nascido em Lisboa, Mário de Sá-Carneiro foi criado na Quinta da Vitória, em Camarate, mas foi em Paris que passou grande parte da sua curta vida.
Filho de Carlos Augusto de Sá Carneiro (sem hífen) e de Águeda Maria de Sousa Peres Murinelo, Sá-Carneiro cresceu no seio de uma família abastada de militares, descendentes de cristãos novos da zona de Bragança.
À semelhança do seu trisavô (que fez parte da Legião Portuguesa), do seu bisavô (que participou nas lutas liberais e que foi par do Reino) e do seu avô, também o seu pai decidiu seguir a carreira militar, depois de tirar o curso de Engenharia.
A sua mãe, por outro lado, era oriunda de uma família modesta de pequenos funcionários públicos, e era filha de um famoso “criminoso” — José Leopoldo Murinelo.
Águeda Maria morreu quando o poeta era ainda pequeno (tinha apenas dois anos), vítima de febre tifoide. Tinha 23 anos. O filho e o cocheiro da família também contraíram a doença, mas Mário de Sá-Carneiro acabaria por recuperar, como que por milagre.
A trágica morte da mãe de Sá-Carneiro acabaria por se tornar responsável pela criação de muitos dos mitos associados ao poeta.
Sá-Carneiro viu-se desde cedo rodeado apenas de figuras masculinas — o pai, com quem conviveu à distância, e o avô, José Paulino de Sá Carneiro, que vivia em Camarate, na Quinta da Victoria, para onde o poeta foi enviado ainda em pequeno. A única presença feminina na infância de Sá-Carneiro parece ter sido a antiga governanta da quinta de Camarate, Maria Encarnação.
Um dos poemas mais antigos de Sá-Carneiro foi dedicado à Quinta da Victória. “Não veêm que nessa quinta/ Dá uma fruta tão bela?/ Seus caturras duma figa/ Sejam gratos p’ra com ela”, escreveu o poeta, então com 13 anos.
Foi na Quinta da Victoria, na companhia do avô e da ama Maria Encarnação, que Sá-Carneiro começou a escrever as primeiras linhas. Com nove anos, tinha o hábito de criar pequenas peças de teatro, que distribuía pelas criadas e pela cozinheira da mansão. “Costumava representar em cima de um pequeno poço que o pai tinha mandado tapar para ele poder brincar sem perigo”, lembrou muitos anos mais tarde Edith de Sá Carneiro, tia de Sá-Carneiro e filha do segundo casamento do avô.
Sá-Carneiro abandonou Lisboa a 12 de outubro de 1912, a bordo do Sud-Express, o comboio noturno que ligava a capital portuguesa a Paris. Uma vez em França, apressou-se a escrever a Pessoa, inaugurando uma intensa troca de correspondência que duraria até ao dia da sua morte, em abril de 1916.
Mário de Sá-Carneiro suicidou-se às oito da noite de 26 de abril de 1916, no seu quarto do Hotel de Nice, com cinco frascos de estricnina. José Araújo, um amigo de Paris assistiu a tudo. Durante a tarde, o poeta tinha-lhe pedido que se dirigisse ao hotel “às oito em ponto, sem falta”. Quando entrou no quarto, Sá-Carneiro informou-o com toda a naturalidade do mundo de que tinha tomado cinco frascos de veneno. Sem conseguir fazer nada que o pudesse salvar, Araújo acabou por assistir aos últimos minutos de vida do escritor, enquanto este “agonizava, congestionado numa ânsia horrível”, como descreveu mais tarde a Pessoa.
(Fonte: jornal Observador, 25/04/2016)

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