Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

terça-feira, 24 de outubro de 2023

'Simplesmente Maria' meteu meio Portugal de rádio ao ouvido



Emitido pela Rádio Renascença a partir de março de 1973, das 13h30 às 14h30, teve duzentos episódios, que passaram para além de 25 de abril de 1974, data da mudança de regime político no país, o que fez perigar a continuação da radionovela. Esta contava a história de Maria Ramos, uma rapariga de 20 anos, analfabeta e com oito irmãos, chegada de uma pequena aldeia a Lisboa para trabalhar como empregada (criada de servir, na designação da época), enviando todo o dinheiro ganho para a família.
Maria (interpretada por Francisca Maria, já falecida) acabaria por conhecer um jovem de boas famílias a acabar medicina, Alberto (João Lourenço, actual responsável pelo Teatro Aberto), de quem engravidou e teve um filho, Tony (interpretado por Carlos Queiroz, a trabalhar actualmente no Reino Unido). A família de Alberto, que condenou o romance entre ele e Maria, mandou-o para África. Outras personagens principais seriam a patroa de Maria (Adelaide João no papel), Teresa, a criada da casa ao lado (com Mimi Gaspar no papel), Carlos, o amigo de Alberto (desempenhado por Rui Mendes), que namorava Teresa. Se Teresa critica a jovem criada de trabalhar muito e lhe dava dicas para se relacionar com a patroa, Carlos gracejava sobre os avanços da conquista de Alberto.
A radionovela traçava uma realidade social das décadas de 1950 e 1960, quando jovens mulheres arribavam à grande cidade para trabalhar em casas abastadas. Na história, Maria, por exemplo, trazia uma autorização do pai para trabalhar, marca significativa da época e da condição da mulher. Original da Argentina, com Tomé de Barros Queiroz como produtor e Paulo Renato como director, a radionovela teve um enorme impacto na sociedade portuguesa em grande transformação. Na altura, as alterações tecnológicas favoreciam a escuta, sendo habitual as pessoas levarem os seus pequenos rádios transistorizados ao ouvido, como hoje se vêem as pessoas a telefonar.



(Francisca Maria, no papel de Maria)

Não se conhecia a identidade das personagens. Esse segredo aumentava o mistério e a curiosidade em volta de Simplesmente Maria. Só agora é que se terá revelado publicamente o nome de Francisca Maria, então com 29 anos, no papel de Maria Ramos. Mas, na época, o nome do actor que desempenhava o papel de Tony, o filho de Maria, foi revelado acidentalmente. Carlos Queiroz casou-se (na vida real) com Rossalyn Edwards e a revista Plateia conseguiu revelar que ele era a personagem Tony, o que o obrigou a pedir desculpas a toda a equipa de produção da radionovela, por ter quebrado a obrigação de não mostrar a sua identidade.
Então, Francisca Maria vinha dos programas radiofónicos infantis da Emissora Nacional, Mimi Gaspar, a mulher do produtor Tomé de Barros Queiroz tinha 40 anos e uma actividade ligada ao canto lírico e ao teatro e João Lourenço e Rui Mendes eram já dois actores confirmados. A história, como escrevi acima, provinha da Argentina, assente em contornos reais, com a verdadeira Maria a chegar a ser proprietária de lojas de roupa, depois de se dedicar à costura, recebendo apoio de um homem mais velho.
A radionovela passou a telenovela no Brasil, através da TV Tupi, ao cinema em Espanha e a história de Maria também chegou à Rússia. Em Portugal, a presença de uma criança na história levou a que a produtora (e a Renascença) recebessem presentes, como brinquedos, cartas e dinheiro. A Maria, por seu lado, eram enviadas máquinas de costura, para ajudar na sua nova carreira.
Em 1973, a radionovela foi acompanhada pela produção de uma revista semanal, ao passo que a cantora Tonicha fazia sucesso com a cantiga Simplesmente Maria, uma adaptação do original.



 

(João Lourenço, no papel de Alberto)


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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.