"É absolutamente condenável a estratégia da Presidência da República nesta questão. Ou a notícia é falsa e já deveria ter sido desmentida; ou a notícia corresponde ao que o Presidente pensa e só poderia ter duas consequências: queixa na Procuradoria e demissão do Governo" (Idem)
1. As críticas que aqui fiz ao comportamento político do Presidente da República (PR) no caso das alegadas escutas de São Bento a Belém mantêm-se não só actuais como até ganharam uma outra dimensão e gravidade com a notícia publicada ontem pelo Diário de Notícias.
A reacção de Cavaco Silva é preocupante para a democracia portuguesa.
O PR, mais uma vez, não se demarcou da tarefa de que terá incumbido o seu assessor (que se tivesse exorbitado deveria estar já sumariamente despedido). Antes pelo contrário, afirmou, de forma clara, que vai "averiguar questões de segurança" depois das eleições.
Estas palavras são contraditórias com a afirmação de que não pretende influenciar o período eleitoral. Além do mais, escondem uma outra hipocrisia: se o PR não queria influenciar, porque utilizou o assessor para dar uma "notícia" em vésperas das eleições?
Um PR não se pode prestar a estes papéis. Ou tem certezas e age, com coragem; ou não tem certezas, e averigua calado. Ora Cavaco Silva não apresentou nenhuma queixa na Procuradoria, não pediu esclarecimentos ao SIS, não demitiu o Governo. De forma irresponsável, permitiu mesmo que se acendesse a fogueira da dúvida.
2. Enquanto não negar responsabilidades pessoais no comportamento do seu colaborador de 20 anos, o PR é suspeito de acusar sem provas, de lançar a instabilidade no País.
Acresce um outro aspecto: depois de 27 de Setembro, data em que começará a "averiguar", já estará eleito um outro primeiro-ministro, que pode ser o mesmo, legitimado pelo voto popular apesar das suspeitas presidenciais sobre ele. Esta não é uma questão de pormenor. Vai com certeza introduzir ainda mais instabilidade num quadro partidário que pode não vir a ter uma solução estável para quatro anos.
Pessoalmente, confesso-me surpreendido. Reconheci sempre em Cavaco Silva uma autoridade moral que me parecia um importante resguardo para o Estado português - e agora não sei que pensar. Eu e, com certeza, muitos cidadãos.
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João Marcelino, in Diário de Notícias, 19-9-2009
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