O Instituto Português do Sangue (IPS) lançou um concurso para a compra de testes para a medição de hemoglobina, cujas especificações técnicas apontam para um novo método que é comercializado em Portugal apenas por uma empresa de que é sócio o filho do presidente do instituto.
A história começa em Nova Orleães, nos EUA, no encontro anual da associação americana de bancos de sangue, em Outubro de 2009. Foi ali que o presidente do IPS, Gabriel Olim, viu pela primeira vez um equipamento que lhe despertou grande interesse: um aparelho que determina o valor da hemoglobina evitando a desconfortável picada no dedo a que os dadores hoje são obrigados a submeter-se.
Um autêntico achado até porque este método, desenvolvido por uma empresa israelita (e que não terá ainda rival a nível internacional), acaba por sair mais barato do que os sistemas tradicionais de medição da hemoglobina e evita ainda o risco de infecção. O fabricante israelita veio a Lisboa em Fevereiro deste ano e a impressão inicial confirmou-se. "Os resultados foram excelentes. É uma técnica mais barata, mais cómoda e que não causa resíduos", sintetiza Gabriel Olim.
Em Maio, o IPS lançou um concurso público internacional (n.º 1 90040/2010) para "Aquisição de Testes a Determinação Automática do Valor da Hemoglobina na Pré-doação de Sangue" no valor de 200 mil euros cujo critério principal de selecção é o preço. No caderno de encargos especifica-se que os equipamentos a distribuir pelos vários centros regionais de sangue (Lisboa, Porto e Coimbra) devem ser não invasivos, "isto é, sem necessidade de agulha ou picada de agulha". Sucede que das quatro empresas concorrentes apenas terá apresentado um equipamento capaz de preencher este requisito, porque as outras usam os métodos que obrigam a picada no dedo. Trata-se da empresa Med-First Lda, que se propôs a concurso com o tal equipamento israelita inovador. A assinar a proposta aparece o sócio e director médico da empresa, Nelson Olim, que é filho do presidente do Conselho Directivo do IPS.
A Med First propõe-se fornecer ao IPS 50 sensores com capacidade para a realização de 200 mil testes para a determinação automática do valor da hemoglobina, bem como 45 equipamentos a distribuir pelos centros regionais de sangue de Lisboa, Coimbra e Porto. O valor é o máximo previsto no concurso: 200 mil euros.
Confrontado com o facto de a empresa do seu filho estar a candidatar-se, Gabriel Olim diz que os concursos do IPS são feitos através do Departamento de Aprovisionamento e Financiamento do Instituto. "Não tenho nada a ver com isso", diz Gabriel Olim, sublinhando que até nem sabe quem faz parte do júri do concurso. A única coisa que admite, após algumas reservas - "as conversas que tenho com o meu filho são privadas" -, é que a determinada altura terá falado com o filho sobre a nova solução, que é "óptima".
Nelson Olim garante, pelo seu lado, que teve conhecimento da existência deste equipamento pela primeira vez só em Março deste ano, quando foi a Israel fazer formação sobre emergência médica. Entusiasmado com as potencialidades do equipamento, propôs-se tornar-se representante para Portugal da empresa israelita. O seu objectivo inicial, aliás, nem era o de concorrer a qualquer concurso do IPS, mas sim começar a fornecer este novo método para vários tipos de instituições, como clínicas, consultórios, empresas que fazem medicina no trabalho, contou ao PÚBLICO.
Entretanto, viu no portal dos concursos públicos, que consulta frequentemente, a referência a este concurso do IPS. "Acabei por saber por acaso", frisa. E nota que, se houvesse aqui algo de suspeito, as propostas não iriam assinadas com o seu nome. "É o máximo da transparência."
in Público online, 21-8-2010
Sem comentários:
Enviar um comentário