Na Freguesia de Unhos, temos a antiga Quinta da Malvazia, que pertenceu aos descendentes de Gaspar Pereira do Lago (c. 1540-?) (corregedor do crime da corte), e que foi morto pelos «levantados que seguiam o Ermitão da Eyriceira» *, segundo nos diz o Padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa, e que pertenceu recentemente ao Instituto Nacional de Reabilitação, tendo sido um centro de formação e recuperação de pessoas com deficiência.
Não sendo das quintas históricas da região de Lisboa, a mais conhecida ou citada na bibliografia contemporânea, merece contudo alguma atenção pela antiguidade, quer da quinta, quer da Capela que nela se encontrava edificada, que era dedicada a Nossa Senhora da Esperança.
A Quinta não terá sido edificada pelo referido Gaspar Pereira do Lago, pois este Cavaleiro da Ordem de Cristo, foi morto no referido episódio do “Rei da Ericeira” * em 1585, e a Capela de Nossa Senhora da Esperança, anexa à quinta, foi edificada, segundo João Baptista de Castro (Mappa de Portugal Antigo e Moderno, 1763), em 1599 por D.ª Brites Velasco, a qual vinculou a Quinta da Malvazia a um legado pio.
Em 1666 a Ermida encontrava-se suspensa por falta de Licença de ereção e para se dizer Missa, sendo pedida uma nova licença por Maria da Cunha, viúva de Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1600-?), não o citado anteriormente, mas o seu neto, filho de Baltasar Pereira do Lago, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Fidalgo da Casa Real (c. 1570-?).
Pedida a licença ao Cabido da Sé de Lisboa foi a mesma concedida por Provisão de 20 de Julho de 1666 (Cfr. Petição in DGARQ-TT, CEL, M.1809, n.254; Provisão in AHPL, Ms. 291, f. 7).
A quinta terá passado depois ao filho de Maria da Cunha e Gaspar Pereira do Lago, Baltasar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1630-?), e depois ao filho deste com Maria Micaela da Silva, Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1665-?).
Em 1706 é descrita assim por António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa:
«(Unhos) Tem muytas quintas como he a da Malvazia que fica junto ao rio que vay para o Lugar de Friellas da qual he hoje senhor Gaspar Pereyra do Lago, cujo terceyro avô foy Gaspar Pereyra do Lago oriundo da Provincia de Entre Douro & Minho Fidalgo honrado da familia dos Pereyras do Lago da mesma Provincia o qual seguio nesta Corte as letras & sendo Corregedor do Crime da Corte o matarão os levantados que seguião o Ermitão da Eyriceira foy casado com D. Antonia do Casal mulher muyto nobre do que teve a Balthazar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade & Cavalleyro na Ordem de Christo o qual casou com D Leonor de Gouvea irmã de Francisco Vaz de Gouvea que foy Arcediago de Villa nova de Cerveyra Lente em Canones na Universidade de Coimbra & Desembargador do Paço de que teve a Gaspar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade o qual casou com D Maria da Cunha mulher muyto nobre da Cidade de Braga de que teve a Balthazar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade & Alcayde mór da Villa de Ferreyra na Provincia do Alentejo o qual casou com D Maria Eufrasia Josefa de quem não teve filhos & fora do matrimónio teve ao sobredito Gaspar Pereyra do Lago que he o successor da casa de seu pay & a D Catharina Caetana do Lago».
Dada antiguidade da Ermida foi esta reedificada entre 1739 e 1741 por Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real, precedida da respectiva licença de reedificação do Cabido da Sé de Lisboa Oriental, dada em 25 de Agosto de 1739.
Após a conclusão das obras de reedificação continuou a dizer-se Missa nesta Ermida por Provisão de 1 de Fevereiro de 1741.
(Cfr. Petição in DGARQ-TT, CEL, M.1809, n.144; Provisão in AHPL, Ms. 24, f. 553)
Em 1763 registamos obras na quinta, o que poderá indiciar que a mesma terá tido alguns danos significativos na sequência do terramoto de 1755, e que poderão ter inclusive causado o impedimento da Ermida, pelo menos esta não é citada pelo Prior de Unhos na sua Memória Paroquial de 1758.
As obras de 1763 foram mandadas fazer em Setembro desse ano por Baltasar Manuel Pereira do Lago, filho de Gaspar Pereira do Lago e Luísa Teresa de Mendonça, e Governador de Moçambique (1765-1779), a José António de Abreu (mestre carpinteiro) e Manuel Jorge Delgado (mestre carpinteiro), que depois se associaram a Miguel Pereira (ferreiro). O contrato da obra e da sociedade foram registados na Nota de Bartolomeu Ângelo Escopery (tabelião público de Lisboa), conforme se regista nos Livros do Distribuidor de 1763:
f. 12 (Set) Contrato e Obrigação = Balthazar Manuel Pereira do Lago com Joze António de Abreu, carpinteiro e Manuel Jorge Delgado, pedrº = sobre obras na quinta da Malvazia, em Sacavém, cuja despeza, q constar por medição vencerá juros a 5 por 100; e tudo se pagará pela consignação anual de 200$000 réis na renda da dita quinta e outra perto della; e por todo o mez de Abril de 1764 dará mais elle Senhorio aos ditos mestres cem mil reis ou em dinheiro ou em madeira de castanho q habaterão na importância da dita obra: fiador e principal pagador pelo dito Senhorio ficou João de Anvers Pacheco, morador no sítio de N.S. da Lapa.
f. 12 (Set) Sociedade = os mestres acima com Miguel Pereira, ferreiro = sobre obras de que trata o contrato acima para elle Miguel concorrer com o dinheiro e ferragens precisas e será caixa desta sociedade e de 4.ª parte vai interessado em duas e meia, digo em parte e meia e as duas meia são para o os outros dous sócios repartidas igualmente entre ambos, mas da consignação se pagará primeiro ao dito Miguel com o q entrar.
(DGARQ-ADL, CDL, Cx. 40, L. 124, f. 12)
Baltasar Manuel Pereira do Lago, casado com Joaquina Tomásia de Almeida, apenas teve uma filha Francisca Maria Paula de Almeida Pereira do Lago, que casou com João Pestana Pereira, de quem teve 6 filhos, o mais velho dos quais Henrique José Pestana Pereira do Lago.
Finalmente em 1873 o Rei D. Luís concedeu a Daniel Ferreira Pestana (c. 1823 - ?), Comendador da Ordem de Cristo, Cavaleiro da Ordem de Avis e da Conceição, e militar ilustre em Goa (descendente dos anteriores ?) a «Administração vitalícia de uma quinta chamada Malvazia em Sacavém e umas terras no sítio Pampulha, pertencentes ao vínculo instituído por D. Brites» por Carta de 30 de Dezembro de 1873 (Cfr. DGARQ-TT, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, L. 56, f. 209v).
Na sequência da escritura de doação da Quinta da Malvazia, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 176-B/88, de 18 de Maio, o Centro de Investigação e Formação Maria Cândida Marques de Sousa Beirão da Veiga Cunha, e consequentemente a orgânica do Secretariado Nacional de Reabilitação passou a integrar o serviço “Centro Maria Cândida da Cunha”.
Atualmente está à venda pelo valor de 2 480 000 € (139 €/m²).
Notas:
* Mateus Alvares, filho de um pedreiro Açoriano e Ermitão da Ermida de São Julião, próxima da Ericeira, fez-se passar por D. Sebastião em 1585, sendo apoiado por um lavrador da zona, um tal Pedro Afonso, que conseguiu armar uma insubordinação popular de 800 homens da região da Ericeira, Mafra, Torres Vedras e Sintra. Quando o Corregedor, a mando do governo de Lisboa, se deslocou à Ericeira, foi preso, juntamente com o seu escrivão, e ambos foram lançados ao mar. Finalmente, o governo de Lisboa, com uma força bem armada, conseguiu prender o falso rei, que acabou condenado à forca, sendo enforcado em 14 de Junho de 1585. Quanto aos restantes insubordinados foram perdoados por mercê do rei Filipe II de Espanha, I de Portugal.
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