Os corpos agitam-se, ao ritmo da música, na penenumbra rasgada por focos de luz. Ouvem-se risos, gritos de entusiasmo, improvisam-se coreografias. Mas naquela sala em festa ninguém tem um copo na mão. Não há fumo. Nem bola de espelhos. Só a figura da Virgem Maria, iluminada, no palco, parece fitar-nos.
Bem-vindo à Cristoteca, a "discoteca cristã" que faz furor no Brasil e acaba de chegar a Portugal. É sábado à noite e estamos no Salão do Bom Pastor, no Centro Pastoral Paulo VI, em Fátima. Rafael Ferreira, missionário de 26 anos, abandona a pista para falar da iniciativa surgida há cinco anos, no Brasil, pela mão da comunidade católica a que pertence, a Aliança de Misericórdia.
"A Cristoteca foi criada com o objectivo de ir buscar os jovens que estão longe da Igreja. Pensámos: por que não colocar Jesus na diversão dos jovens? Esta é uma diversão sadia, limpa, pura". Uma maneira de dizer: sem os aditivos que corroem vidas. Álcool, drogas. Rafael sabe, porque foi dependente de ambos.
No Brasil, onde há "Cristotecas" a funcionar madrugada dentro - de forma fixa ou pontual - em pelo menos 35 cidades, servem-se as chamadas "Cristodrinks". São bebidas não alcoólicas. Mas mesmo essas estão ausentes deste evento, de entrada gratuita, o segundo do género a realizar-se em Portugal. A estreia deu-se no Seixal, no mês passado, e superou as expectativas. "Começou com uns 20 jovens e, no final, havia uns 100", lembra Rafael, satisfeito.
O missionário gosta de pensar na Cristoteca como "um ambiente alternativo para os jovens", que pode ajudar, precisamente, aqueles que têm problemas ligados à droga, ao álcool, à criminalidade ou à prostituição. Nesta, há casos desses. Pessoas que a Aliança de Misericórdia trouxe da periferia de Lisboa (a casa de missão fica na capital). Não é por acaso que, num momento de acalmia, Rafael diz ao público que Cristo aplaude, sempre, quem chegou em último lugar na corrida. E há comoção do outro lado.
"O nosso objectivo é ir atrás daqueles que estão longe. A Cristoteca nasceu para essas pessoas", insiste Rafael Ferreira, em conversa com o JN. Sempre de acordo com os parâmetros da Igreja, com uma forte vertente formativa. Por isso começa com uma eucaristia, por isso se interrompe a música, de tempos a tempos, para momentos de oração e reflexão. Os missionários também se mostram abertos a conversas, desabafos.
"Há princípios, para se ter uma Cristoteca. Não é só colocar música, luz e... vamos dançar!", salvaguarda, por seu lado, Cristiane Silva, da comunidade brasileira Canção Nova (parceira da Aliança de Misericórdia na organização do evento). Aliás, no Brasil, os interessados em organizar uma Cristoteca nas suas paróquias recebem formação específica.
"A Cristoteca é só um acessório da evangelização", clarifica Rafael Ferreira. A jovem directora da televisão da Canção Nova em Fátima - Cristiane tem 33 anos - concorda. E vai mais longe: "O nosso objectivo é atrair jovens para Deus e, a partir disso, inseri-los na realidade da Igreja. A Igreja não é careta, não é um sistema falido, como se diz. Pelo contrário! Está viva".
Celina Ferraz, de 20 anos, viajou de Paço d'Arcos, propositadamente, para esta celebração católica. "Nem pensei duas vezes!", conta, animada. Depois, conclui: "É uma noite livre, mesmo. Estou só sob o efeito da minha alegria!". Francisco Homem tem 15 anos e também nota diferenças: "Aqui não há tanto barulho. Sinto-me bem".
Mas não se leia, nos discursos de Rafael e Cristiane, uma crítica à discoteca comum. Ele chegou a ser frequentador assíduo. Ainda assim, destaca um ponto a favor da Cristoteca: "O jovem diverte-se, vai para casa e, quando acorda, não tem ressaca. Acorda a pensar 'conheci pessoas, participei numa missa e entendi que Deus estava comigo lá a dançar!" .
Texto de Carina Fonseca in JN online, 26-7-2009
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