Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Palma Inácio: Revolucionário, solitário e livre...

Lutador contra o Salazarismo, independente de partidos e de ideologias, privilegiou a acção. Tornou-se conhecido pelo primeiro desvio político de um avião, em 1961. E pelo assalto ao banco da Figueira da Foz, em 1967.




E, de repente, milhares de panfletos são lançados sobre Lisboa, a partir de um avião da TAP. Era o dia 11 de Novembro de 1961, estava-se em plena ditadura Salazarista, na véspera de eleições legislativas para o parlamento do Estado Novo e os lisboetas, espantados, viam cair-lhes do céu folhetos exortando-os a derrubar o regime.

O "Super-Constellation" da TAP fora desviado por um comando antifascista, dirigido por um ex-sargento da Força Aérea, de nome Hermínio da Palma Inácio. Esta acção iria tornar internacionalmente célebre este algarvio aventureiro - o qual, a partir dessa data, se torna também num dos maiores inimigos do regime do Estado Novo. A acção tinha antecedentes vários, no campo da resistência política e no campo da aventura pura.

Quinze anos antes, com pouco mais de 20 anos, ia a II Guerra Mundial no final, estava ele na Força Aérea. O racionamento de guerra apertava. Hermínio pegava num avião Tiger, do Air Clube de Sintra, dirigia-se primeiro a norte, à Figueira da Foz (uma cidade que fará, depois, parte da sua história de vida), onde abastecia a pequena aeronave de bacalhau - após o que virava rumo sul, a Tunes, no Algarve, e picava sobre a casa da mãe largando fardos de bacalhau e ramos de flores. Quase 20 anos antes dos panfletos sobre Lisboa.

A aventura política a sério começa depois do final da guerra, em 1947. Nascido numa família pobre e vivendo no meio dos ferroviários de Tunes, um meio politizado, Hermínio envolve-se numa tentativa de golpe militar contra Salazar.

Conhecedor da base aérea de Sintra, onde servira como mecânico-militar, Hermínio é aliciado para neutralizar os aviões de Sintra. Com a frieza e a ousadia que se tornariam uma imagem de marca, ele entra com a maior naturalidade e na companhia de outro mecânico amigo e comparsa e cortam com alicate os cabos de comando dos aviões.

O golpe aborta. Palma Inácio esconde-se, mas acaba por obter o seu baptismo de fogo nas prisões políticas do regime. É reconhecido e denunciado... e preso pela primeira vez. Na cadeia do Aljube, em Lisboa, resiste durante meses à tortura (e à tentativa de aliciamento para o PCP), sem denunciar ninguém, e consegue uma fuga - espectacular, de novo... - saltando de uma janela da casa de banho, com a ajuda de lençóis. O mito do aventureiro e resistente cresce.

Hermínio foge, de novo, agora num cargueiro, para Marrocos. É aliciado, sem sucesso, para a Legião Estrangeira, mas sonha com os Estados Unidos. Trabalha num cargueiro sueco, chega a Estocolmo e, daí, trabalhando num paquete, à América. Estava-se no ano de 1951 e Hermínio tem 29 anos. Vive nos Estados Unidos como clandestino durante alguns anos, até que os serviços de emigração o detêm. Uma amiga consegue que um senador influente evite a sua extradição para Portugal. O Brasil é o seu próximo porto.

No Rio de Janeiro torna-se empresário, segue as eleições presidenciais de 1958 em Portugal e a saga de Humberto Delgado - e aí, pouco tempo depois, conhece Delgado, exilado político após as eleições, e Henrique Galvão, refugiado político após a aventura da tomada do paquete Santa Maria (outro dos golpes espectaculares contra o regime de Salazar). E regressa à conspiração.

No Verão de 1961, Hermínio está de novo em Marrocos, envolvido na tentativa de golpe militar (o golpe de Beja) contra a ditadura. Falhada esta, lança-se na sua primeira grande acção 'mediática': o desvio do avião da TAP. Após isso, deixa o Brasil e vai para Paris. Continua conspirando, até ao dia em que a "Operação Mondego", a sua segunda grande acção espectacular, está pronta a avançar. Estruturada a primeira organização armada anti-regime, a LUAR, ele e mais três "guerreiros" (Camilo Mortágua, Barracosa e Luís Benvindo) partem para Portugal. A 17 de Maio, assaltam o Banco de Portugal da Figueira da Foz, de onde levam 30 mil contos, quantia grossa para a época. Uma avioneta os espera no aeródromo de Cernache. Fogem para o Algarve e depois... Paris, de novo. Por causa do reconhecimento das notas roubadas, é preso em Paris. Evita a extradição, envolve-se na conspiração uma vez mais, passa pelos países comunistas, sem que o comunismo o atraia, consegue armamento para a ETA, no tempo de Franco. Em 1968, Hermínio regressa a Portugal. Trata-se de nova acção, a tomada da cidade da Covilhã por algumas horas. Mas a operação falha. Hermínio regressa às cadeias políticas do regime, a Caxias, depois de reconhecido já na região transmontana. Em Caxias é de novo torturado e de onde consegue nova e espectacular fuga. Depois, a exílio activo na Europa. E a conspiração, sem olhar a filiações partidárias, a acção pela acção. Em 1973, entra de novo em Portugal, para raptar algumas figuras do regime a troco da libertação dos presos políticos. A aventura fica pela intenção. É detido de novo e será em Caxias que o 25 de Abril o encontrará. Depois dessa data, acaba por filiar-se no PS do seu amigo e protector Mário Soares, a primeira ligação partidária em toda uma vida de acção e de aventura.




Texto de José Manuel Barroso in DN online, 15-7-2009

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.