Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

domingo, 1 de março de 2009

MINImalistas...

O Mini é, com os Beatles, a revolução sexual, Woodstock ou a Guerra do Vietname, um dos ícones da década de 60. Um automóvel feito para se vulgarizar mas que é hoje, 50 anos depois, objecto de adoração para muito boa gente. (Veja as fotos da evolução do Mini no final do texto)



Pouca gente saberá, mas o Mini deve a sua existência, ainda que indirectamente, a uma insólita conjugação de vontades, feitios e competências. Como a decisão do Presidente egípcio Nasser, para grande irritação dos europeus, em 1956, de nacionalizar o canal do Suez, provocando aquela que foi a primeira crise petrolífera. E o mau génio de Leonard Lord, presidente da British Motor Company (BMC) nos anos 50 e que nutria pelos alemães um profundo desprezo - materializado numa imensa irritação pelas respostas da indústria automóvel germânica a esses tempos de crise: os famosos carros-bolha de três rodas como o BMW Isetta ou o Messerschmitt KR200.

Finalmente, a capacidade técnica do engenheiro-chefe da BMC, Sir Alec Issigonis, que concebeu em 1958 o projecto ADO 15, origem do Mini, em resposta às solicitações do mesmo Leonard Lord para que fizesse um carro citadino espaçoso e económico.

O ADO 15 propunha conceitos tão simples como geniais. Mas, de todas as soluções pensadas por Issigonis para tornar o Mini o mais compacto possível (motor transversal, tracção dianteira, caixa de velocidades sob o motor), as mais interessantes acabam mesmo por ser as que, de facto, reflectem a personalidade e os hábitos de vida do seu criador. As suspensões, por exemplo, eram meros cones de borracha, infinitamente mais pequenos que as habituais molas e amortecedores, mas que jamais poderiam garantir conforto aos passageiros.

Uma preocupação olimpicamente desprezada pelo engenheiro inglês mas que acabou por ser responsável por moldar o carácter do Mini que, graças a esta opção técnica, se tornou num dos carros mais divertidos de guiar alguma vez feitos. O interior do Mini, inesperadamente espaçoso, também denunciava algumas preocupações singulares: os vidros eram de correr para que as portas pudessem ter bolsas suficientemente grandes para que nelas coubesse uma garrafa de gim; tal como o inexistente rádio, que nunca foi opção para quem não gostava nem de música nem de concursos radiofónicos, ao contrário do cinzeiro, peça a que foi dada toda a atenção e carinho que um inveterado fumador de cachimbo merecia.

Lord experimentou o protótipo em 1958 e magoou as costas ao sair do carro. Surpreendentemente, não teve nenhum ataque de fúria e... adorou-o. Afinal, tinha tudo o que ele queria: parecia-se com um automóvel a sério e não com nenhuma daquelas extravagâncias alemãs e tinha soluções inteligentes e económicas. Deu um ano a Issigonis para o produzir em massa. Coisa que se fez e manteve, ininterruptamente e com muito poucas alterações durante 41 anos.

Quem também gostou do Mini foi um tal John Cooper, célebre garagista inglês ligado à F1, para quem um automóvel rápido não tinha que ser nem grande nem muito potente. Encomendou 1000 à BMC, alterou-os e revendeu-os. Ficaram tão célebres que a BMC passou a fazê-los em série e a pagar duas libras a John Cooper por cada um que vendesse. Cooper enriqueceu e, mais importante, criou outro mito sem saber.

(Fernando Soares)
Fernando Soares ainda não tinha nascido quando o primeiro dos 5,3 milhões de Minis saiu da linha de montagem da British Motor Company de Longbridge, em Abril de 1959. mas para ele, dizer que o Mini sempre fez parte da sua vida não é nenhum exagero. Nem exagerados serão os mais de cem Minis que já lhe passaram pelas mãos. As paixões são mesmo assim. Os seus preferidos são, "naturalmente, os Cooper dos anos 60". E percebe-se porquê.

A magia dos anos 60 deve-se ao seu espírito único e às muitas surpresas que estes anos selvagens trouxeram. Como a que alguns milhares de guerrilheiros vietnamitas começavam então a preparar à maior potência militar do Mundo, ou todas as descobertas por jovens psicadélicos de cabelos compridos que clamavam pelo amor livre, ajudados pelo consumo desregrado de substâncias mais ou menos ilícitas.

No bem menos global mundo da competição automóvel, também não deixou de ser surpreendente ver um carro tão básico, barato e modesto como o Mini ganhar quatro vezes seguidas o mais famoso rali do mundo. Quatro não, três. Porque numa delas foi desclassificado por ter... faróis com lâmpadas irregulares.

Em 1964, Monte Carlo já não pertencia mais aos construtores com pedigree, mas aos minúsculos carros ingleses e a alguns finlandeses mal-encarados que conduziam nas estradas apinhadas de neve dos Alpes franceses como nenhum gentleman driver italiano, inglês ou de outra nacionalidade qualquer, conseguia fazer. Foram esses momentos que encantaram este apaixonado dos automóveis.

Assim que teve oportunidade, adquiriu os Mini Cooper S de competição, que também por Portugal tinham feito os seus estragos. Depois de "muito tempo a procurar e ainda mais a recuperar", nem se atreve a fazer contas ao que já gastou. Mas não descansou enquanto não conseguiu ter "a maior e melhor colecção de Mini Cooper S de Portugal". De Portugal e, provavelmente, de meia Europa, dizemos nós. Hoje, tem um autêntico museu na sua garagem de Lisboa. Ao lado dos seus quatro Aston Martin, pelos quais tem também um fraquinho de paixão mas confessadamente "menos intensa", guarda nada menos que seis destes modelos, "documentados ao pormenor" e dos quais conhece "de trás para a frente, todo o seu percurso e história".


(Américo Gomes)
Américo Gomes não é tão meticuloso e é um fã que aposta claramente na diversidade. Deve ser, aliás, por isso, que tem cerca de 20 Minis. Uns recuperados, "outros para lá caminharão". Apesar de ter tido o seu primeiro Mini há mais de 40 anos, é também uma paixão mais recente "com sete ou oito anos". "Deu-me para isso depois de velho."

Os Minis foram feitos para serem baratos. Tão baratos, que tinham reputação de fazer perder dinheiro a quem os fabricava. Agora os tempos são outros. Nenhum dos Minis de Américo Gomes vale os 60 mil euros com que os mais valiosos carros de Fernando Soares estão cotados, mas, em compensação, tem vários que "valem entre 20 e 30 mil euros". Está bom de ver - só pode ser mania de coleccionador - que não tem nenhum preferido. Aliás, confessa, "sinto-me como o pai deles todos".

Na verdade, há três ou quatro de que fala com um pouco mais de orgulho: um 850 de 1961, um Cooper S original de 1968, uma das únicas três carrinhas que existem em Portugal e, claro, os seus Minis de "competição" que só "não ganham tudo quando não calha". Vai deixá-los de herança aos netos que, provavelmente, estarão mais de olho no Mini contemporâneo, desenterrado pela BMW em 2001 e que vende que nem pãezinhos quentes - só em 2008 foram 1533 e, desde 2001, 4890.

Bem mais do que os 2800 sócios do Clube Mini de Portugal (www.cmp.pt ), um dos mais antigos do país e o maior dos muitos dedicados ao carro britânico. Américo Silva, o seu presidente, mal pode esperar pelo princípio de Julho, altura em que vai reunir fãs de Portugal e Espanha. Está a contar "ter entre 500 e 700 Minis" em Gouveia, perto da serra da Estrela, para comemorarem em grande o cinquentenário do seu objecto de paixão. Fernando Soares e Américo Gomes vão certamente lá estar.



(clique sobre as imagens para as ver maiores)


in Expresso online, 01-3-2009

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.