Carlos Guerra, o antigo presidente do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), que foi constituído arguido no âmbito do processo Freeport, afirmou nos autos que o "Pinóquio", mencionado em correspondência trocada entre Charles Smith e a sociedade Freeport PLC, é José Manuel Marques, antigo vice-presidente do ICN e consultor da Câmara Municipal de Alcochete - e também arguido no processo. Esta é uma das revelações que constam do relatório da Polícia Judiciária (PJ) do processo Freeport - investigação que durou seis anos - que foi entregue a 21 de Junho aos procuradores do Ministério Público que acompanham o caso.
O i soube que Carlos Guerra afirmou num dos seus três depoimentos: "A referência a Pinóquio é-me familiar porquanto o Dr. Manuel Pedro várias vezes se referia ao Dr. José Manuel Marques como Pinóquio". José Manuel Marques nega saber quem é Pinóquio e, como é público, o autor da alcunha, Charles Smith, sempre afirmou que Pinóquio é qualquer pessoa pouco fiável e que usava o termo para se referir ao seu contabilista, José Ginja.
Mas o processo pode já estar prescrito. Isto porque as perícias consideram que a aprovação do empreendimento de Alcochete foi inteiramente regular e que a alteração das regras da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPE), para além de legítima, não teve qualquer interferência na aprovação do projecto. Assim, se houvesse crime, tratar-se-ia de "corrupção para acto lícito", e já estaria prescrito.
Sócrates de fora Aos procuradores compete agora elaborar um despacho de acusação ou não acusação relativamente aos arguidos que o processo conta neste momento. O primeiro-ministro José Sócrates, como a directora do DCIAP Cândida Almeida já tornara público, não é arguido. Não é sequer suspeito no processo. Os arguidos nos autos do Freeport são Manuel Pedro Nunes, Charles Smith e João Cabral - todos da consultora Smith&Pedro -; o antigo presidente da Câmara Municipal de Alcochete, José Dias Inocêncio; a sua assessora Honorina Silvestre; e o antigo vice-presidente do ICN, José Manuel Marques.
O relatório da PJ tem 717 páginas e muito poucas conclusões. Os inspectores que o elaboraram preferiram fazer pontualmente subtítulos a que deram o nome de "inferências" e decidiram deixar as "conclusões" para o despacho dos procuradores responsáveis. As únicas passagens do relatório onde transparece a opinião da equipa da Judiciária de Setúbal, que conduziu a investigação do início ao fim, é nas pequenas notas (entre parêntesis) em que comentam algumas declarações das testemunhas e de alguns arguidos no processo.
O relatório tem um preâmbulo que conta brevemente a história de uma longa investigação, ao qual se segue um capítulo sobre o procedimento administrativo e um terceiro sobre a redefinição dos limites da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPE).
A prescrição provável O sétimo capítulo do relatório contém as várias perícias (urbanística, ambiental e financeira). Essas perícias concluem, em termos gerais, que não foram encontradas irregularidades de um ponto de vista ambiental. E que a alteração de limites da ZPE, aprovada na reunião do conselho de ministros imediatamente anterior às eleições que o PS viria a perder, em nada alterou as condicionantes a ter em conta na aprovação do projecto Freeport. E diz mais: que a decisão sobre as implicações ambientais do projecto se basearam sempre nos pareceres técnicos dos serviços competentes do Ministério do Ambiente, sendo desfavorável quando os pareceres foram favoráveis e favorável quando os pareceres foram favoráveis. Resumindo, as perícias em que se baseia a PJ consideraram lícita tanto a aprovação do empreendimento, quanto a alteração da ZPE. Assim, tratando-se ambas de actos lícitos, ainda que houvesse alguma acusação por corrupção, ou mesmo tráfico de influências, teria de se tratar de corrupção para acto lícito, a qual se encontra já prescrita nos termos da lei por terem decorrido mais de seis anos sobre os alegados crimes.
Quanto ao financiamento partidário ilegal, o processo não parece ter dados suficientes para haver acusação. Aliás, a perícia financeira parece demonstrar que, além de Charles Smith e Manuel Pedro, que trabalhavam para o Freeport, haverá rendimentos a explicar apenas de Carlos Guerra, José Manuel Marques, José Inocêncio e José Manuel Marques, não se encontrando entre eles qualquer responsável partidário, nem havendo suspeita sobre qualquer outro representante do PS ou de qualquer outro partido.
in "i" online, 12-7-2010
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