Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

CARALHOTAS DE ALMEIRIM




A cidade de Almeirim é conhecida, entre outros motivos, pelas suas virtudes gastronómicas. 
Destacam-se a Sopa da Pedra, que foi recentemente classificada pela União Europeia como Especialidade Tradicional Garantida (ETG), os enchidos artesanais, os vinhos, o conhecido melão de Almeirim e um pequeno pão de trigo, feito em forno de lenha, com o curioso nome de Caralhota de Almeirim.
A designação vem do termo que o povo de Almeirim usava para se referir aos borbotos de lã, parecidos com os pequenos pedaços de massa que ficavam agarrados aos alguidares de barro onde o pão era amassado.
A partir desses restos eram feitas pequenas bolas que se coziam na borda do forno.
Num tempo em que o povo não se podia dar ao luxo de desperdiçar comida, as Caralhotas de Almeirim surgiram como uma forma de aproveitamento dos poucos recursos alimentares disponíveis.
A fama destes pequenos pães deu-se com o progresso da restauração em Almeirim, tornando-se um complemento habitual da afamada Sopa da Pedra.
Em 2020, as Caralhotas de Almeirim conquistaram o selo de Indicação Geográfica Protegida (IGP), como reconhecimento da sua genuinidade e qualidade, e estão, atualmente, em processo de certificação para a obtenção do estatuto de Especialidade Tradicional Garantida.
A dois passos da Praça de Touros de Almeirim, há uma casa especializada na confeção do pão típico desta cidade ribatejana.
Ostentando orgulhosamente o nome que faz corar alguns clientes, o estabelecimento Caralhotas da Caldeira foi fundado, há cerca de 50 anos, por Emília David, a padeira mais conhecida de Almeirim.
Emília já era casada e mãe de seis filhos quando começou a fazer pão para sustentar a família.
Incentivada pela sogra, que lhe cedeu o forno e ensinou a fazer pão de milho, a padeira recolhia a lenha, fazia o pão e começou a vender aos vizinhos.
A pouco e pouco, o negócio foi prosperando e já era necessária uma bicicleta para distribuir de porta em porta.
Uns anos mais tarde, já perto dos 30, abriu a sua própria padaria, a mesma onde continua a trabalhar diariamente.
Primeiro por necessidade, depois por paixão, Emília David construiu uma carreira de cerca de cinco décadas, que a própria resume, em tom de brincadeira, da seguinte forma: “Já estou com a caralhota na mão há cinquenta e tal anos!”.
O cheiro a pão quente sente-se à porta do n.º 21 da Rua de Moçambique.
À entrada, além da pasteleira, a bicicleta que usou para distribuir o pão típico de Almeirim, há também instrumentos antigos para a confeção do pão, fotografias, sacos de pão e vários recortes de jornais sobre Emília David, ou Dona Emília das Caralhotas, como também é conhecida.
A padeira também já foi convidada por vários canais de televisão, onde divulgou as Caralhotas de Almeirim e, mais concretamente, as Caralhotas da Caldeira, o que a leva a dizer: “O meu pão é muito famoso em Almeirim e em todo o lado!”.
Mantendo o mistério em torno das quantidades dos ingredientes, Emília David revela algumas pistas, como a massa mãe, que fica a levedar de véspera, sendo acrescentada aos restantes ingredientes para “dar força ao pão”.
Mais do que a farinha, a água ou o sal, o segredo de Emília David está na forma como bate a massa à mão e nas “150 gramas de carinho”, a única quantidade que revela.
No livro que escreveu “para deixar aos filhos e netos”, a padeira dá a conhecer os segredos das suas receitas, às quais faz questão de acrescentar essa porção de amor e carinho.
As suas mãos talentosas e imaginação inesgotável fazem da casa Caralhotas da Caldeira um local onde as novidades abundam.
Entre as variedades de caralhotas feitas por Emília David, destacam-se, por exemplo, a mista de enchidos, feita com enchidos de Almeirim, a caralhota de torresmos ou a de azeitonas, orégãos, azeite e alho.
Com a massa das Caralhotas de Almeirim, Emília também cria outras especialidades mais doces, como a caralhota recheada com maçã, canela, açúcar e nozes ou a broa de milho com batata doce.
A lista poderia continuar, tantas são as versões criadas pela Dona Emília das Caralhotas.
Aos 74 anos, já não coze o pão de madrugada, mas ainda faz, diariamente, três fornadas de pão.
Aos fins de semana, as diferentes variedades de pães são expostas à entrada da padaria e os clientes chegam a fazer fila ao longo da Rua de Moçambique.
Ao seu lado está, muitas vezes, a neta Mariana, que “gosta muito de ajudar a avó”, confessa, orgulhosa, Emília David.
Também faz questão de enaltecer a ajuda que o marido sempre lhe prestou, mesmo quando trabalhava como pintor de construção civil.
Enquanto tende a massa com as mãos, a Dona Emília das Caralhotas revela a sua vontade: “Espero durar até aos cento e tal anos, sempre a cozer pão”, fazendo jus ao poema escrito por si, que termina dizendo “O segredo da caralhota, nunca vos hei-de dizer/Porque hei-de ser velhinha e continuar a cozer”.

 



In Grupo Amigos de Almeirim


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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.