O herdeiro da coroa portuguesa, D. Carlos de Bragança, casou-se no dia 22 de Maio de 1886 com a princesa francesa Amelie d'Orleans e as festas em Lisboa duraram oito dias. Mas a tragédia, que ditou o futuro do casal, também marcou presença no enlace.
Eram 13h quando, no dia 22 de Maio de 1886, um sábado, um canhão disparou uma granada a anunciar a saída da família real do Palácio da Ajuda. Sentados no coche da coroa, uma carruagem em talha dourada, com dragões alados, símbolo da Casa de Bragança, os Reis D. Luís e D. Maria Pia e o filho mais velho, D. Carlos, iniciaram o percurso até à Igreja de S. Domingos, junto ao Rossio, onde o herdeiro irá casar-se com a princesa francesa D. Amélia de Orleães.
A cerimónia, o último casamento real português, foi acompanhada por centenas de lisboetas que só puderam ver o cortejo das carruagens nas ruas, decoradas "com postes forrados a pano vermelho, encimados pela coroa real e embandeirados de troféus", como descreveu o marquês de Flers em 1888, no livro dedicado ao pai da noiva, Le Comte de Paris. As recepções, bailes de gala, corridas de cavalos e touradas que se realizaram nos sete dias seguintes foram exclusivos para a corte.
O matrimónio foi criticado e ridicularizado pelos republicanos. No jornal O Século, numa coluna intitulada Real Brodio, tratavam D. Carlos como "pimpolho" e D. Amélia como "a burguezita". Os gastos com o fogo-de-artifício, que terão atingido "os sete contos de réis", e o corte de 20 árvores na Avenida da Liberdade para a construção de tribunas foram muito criticados.
Também o traje oficial, definido pela mordomia-mor como calção e meia para os fidalgos, usados nas cerimónias oficiais desde o século XVII, foi ridicularizado por ter esgotado nas casas de aluguer de roupa e por serem "fardas esburacadas do século passado que transitaram da Feira da Ladra para o guarda-roupa Cruz".
D. Carlos foi a Paris conhecer D. Amélia de Orleães, ao contrário do que se fazia até então (os príncipes só conheciam as noivas por retrato), e foi lá que pediu a sua mão em casamento ao pai, conde de Paris e pretendente ao trono francês. Os dois ter-se-ão enamorado e os primeiros anos de casamento foram felizes. Mas a tragédia, que iria marcar o casal com o regicídio, parece ter-se anunciado nos primeiros dias de D. Amélia em Portugal.
Não foi fácil encontrar noiva para o herdeiro da coroa portuguesa. Em 1885, D. Carlos esteve quase ligado à princesa imperial da Alemanha, Vitória, filha de Frederico Guilherme, que se tornaria imperador da Alemanha em 1888, por apenas 99 dias. O Rei D. Luís chegou mesmo a fazer o pedido, mas as diferenças religiosas - a princesa era protestante - impossibilitaram o enlace.
Foi a tia de D. Carlos, a infanta D. Antónia, que indicou ao Rei o nome de D. Amélia de Orleães. Era uma das poucas princesas católicas europeias e uma "rapariga muito galante e instruída", disse a infanta numa carta ao irmão, de acordo com a biografia D. Carlos, do historiador Rui Ramos.
O namoro de Carlos e Amélia
Convencido, D. Luís enviou o herdeiro para Paris no dia 19 de Janeiro de 1886. O encontro aconteceu no dia 25 de Janeiro desse ano durante uma caçada organizada pelo duque de Aumale, tio de Amélia, em Chantilly, e deixou o herdeiro da coroa encantado. Três dias depois, descreveu-a por carta ao pai como a "criatura mais adorável" no mundo. Anunciou ainda que a princesa tinha aceitado o pedido de casamento "sem a menor hesitação e até mesmo com grande alegria", segundo o livro Eu, Amélia, Última Rainha de Portugal, escrito com base nas cartas e diários da Rainha, pelo jornalista francês, Stéphane Bern.
As cartas dos Reis de Portugal com o pedido de casamento foram entregues ao conde de Paris pelo conde Andrade Corvo no dia 6 de Fevereiro. No dia seguinte, os pais de D. Amélia celebraram o noivado com um grande banquete no Palácio de Galliéra, na capital, que irritou os republicanos franceses e que mais tarde iria ditar a expulsão do país do pretendente à coroa francesa.
Os noivos puderam conhecer-se melhor nos dois meses seguintes, os quais D. Carlos passou com D. Amélia e a família em Cannes. No início de Maio, o príncipe já se declarava apaixonado. "Crê no amor cada vez maior do teu noivo que te adora e te beija", escreveu-lhe.
Maria Amélia Luísa Helena de Orleães era a filha mais velha do conde de Paris, Luís Filipe, neto do último Rei de França, e tinha sido educada para ser rainha. Aos 21 anos, seguia de perto a estratégia do pai na tentativa de restaurar a monarquia e tinha opiniões próprias. Como D. Carlos, gostava de caçar e de pintar, lia muito e gostava de ir ao teatro e à ópera.
Sem dinheiro para o casamento
A princesa achou D. Carlos, na altura com 23 anos, com uma aparência imberbe e houve quem tivesse apontado o temperamento difícil da futura sogra, D. Maria Pia, e a estatura do príncipe - com 1,76 metros, D. Carlos media menos 6 cm do que a princesa - como graves contrariedades. Mas Amélia concentrou-se nas qualidades do herdeiro português: inteligente, enérgico, alegre e culto.
Os noivos separaram-se no dia 6 de Maio, depois de tirarem juntos a primeira fotografia, em Cannes. D. Carlos regressou a Lisboa para examinar as obras do Palácio de Belém, para onde iriam viver. D. Amélia foi para Paris encomendar o seu enxoval. A mãe, Maria Isabel de Orleães, levou-a a todas as costureiras de Paris, incluindo a Casa de Worth.
O véu de noiva, com uma cauda de 2,80 metros, foi feito pelas rendeiras da Normandia e era constituído por um fundo de tule liso muito fino, bordado nas extremidades por ponto de Alençon e com uma grinalda que no fim emoldurava as armas das coroas de França e de Portugal.
Em Portugal, os preparativos para o casamento real tiravam o sono ao Rei D. Luís. Foi necessário fazer obras no Palácio das Necessidades, onde seriam alojados os convidados estrangeiros e a família real não tinha fortuna para tanto. As propriedades alentejanas do morgadio da Casa de Bragança, que tinham sido entregues a D. Carlos, estavam hipotecadas e a dotação entregue pelo Estado - um conto de réis por dia para o Rei e 60 contos anuais para a Rainha - não era aumentada desde 1820. "Com a agravante da inflação e da desvalorização da moeda para metade", explica, à SÁBADO, o historiador Pedro Urbano, do Instituto de Arte Contemporânea, da Universidade Nova de Lisboa. Em comparação, na altura um trabalhador agrícola ganhava 139 réis por dia na poda das quintas de Vila Real, segundo o artigo Trabalho e Condições de Vida em Portugal (1850-1913), publicado na revista Análise Social.
"A família real tinha poucos meios próprios e estava muito dependente da dotação definida pela Câmara dos Deputados", acrescenta o historiador. "Ao poder político não interessava aumentar, porque era uma forma de ter o Rei na mão."
D. Luís chegou a considerar adiar o casamento por falta de verbas. "Segundo conta a marquesa de Rio Maior, a seda das paredes de uma das salas do Palácio das Necessidades foi virada do avesso, para não se ver o lado queimado pelo sol", conta Pedro Urbano.
Mau presságio em Portugal
Pouco depois, o ministro do reino de então, Luciano de Castro, do Partido dos Progressistas, aumentou a dotação de D. Carlos para 40 mil réis e entregou mais 100 mil réis a D. Luís "para as despezas extraordinárias ao faustíssimo consórcio de Sua Alteza."
D. Amélia deixou Paris no dia 17 de Maio num comboio privado de oito carruagens-salão, acompanhada pelos pais e um séquito de 57 pessoas entre aristocratas, médicos e criados, bem como várias dezenas de bagagens com o seu enxoval e presentes recebidos. Dois dias depois, pelas 9h, o comboio chegou à estação de Vilar Formoso e, apesar da chuva, a noiva foi recebida por uma multidão de populares que deram as boas-vindas à futura Rainha.
Em Santa Comba Dão, a princesa mudou de roupa respeitando uma tradição monárquica que impunha uma nova indumentária às princesas que adoptavam uma nova pátria. Foi com um vestido de moiré branco e azul (de seda com efeitos de ondas), as cores da então bandeira portuguesa, e um chapéu azul decorado com uma pomba branca que D. Amélia reencontrou D. Carlos na estação da Pampilhosa, na Mealhada.
Saltou para o cais e não se demorou em beijar o noivo. Os populares festejaram o gesto, mas os jornais recordaram mais tarde que D. Amélia tinha pisado solo português pela primeira vez com o pé esquerdo e viram nisso um mau presságio.
A viagem seria, de facto, marcada pela tragédia. Dois soldados do 4º Regimento de Artilharia ficaram mutilados em Sacavém quando, à passagem do comboio, uma peça de artilharia explodiu ao dispararem uma salva em honra do casal. A pouca atenção dada ao tratamento dos dois homens pelo Rei D. Luís foi criticada pelos jornais e motivo de zanga com D. Carlos. O casal chegou a Santa Apolónia, no dia 20 de Maio pelas 17h, e foi recebido pelos Reis, o duque de Aosta, irmão da Rainha, toda a corte e o corpo diplomático.
O cortejo, de 12 carruagens descobertas acompanhado por um esquadrão de cavalaria, seguiu até ao Palácio das Necessidades, onde os convidados ficaram hospedados, e foi testemunhado por muitos populares que se penduravam nas árvores.
Dois dias depois, foi celebrado o matrimónio. Às 14h, os clarins anunciaram a chegada da família real à Igreja de S. Domingos. Surgiram primeiro o pelotão de lanceiros, os picadores da Casa Real, os cavaleiros e as carruagens dos primeiros convidados: a condessa de Bertiandos, a marquesa do Funchal e o irmão do Rei, D. Augusto. A chegada do coche da coroa, puxado por oito cavalos, foi anunciada com a marcha real tocada pela banda e foi a Rainha, D. Maria Pia, com um vestido de veludo azul-celeste, bordado com pérolas e ramos de diamantes, um manto azul-real sobre os ombros e um diadema de diamantes na cabeça, que causou admiração.
Quinze minutos depois, chegou o cortejo da noiva. Agarrada a um missal, D. Amélia foi levada pelo pai até ao altar onde a esperava D. Carlos. Depois da homilia, proferida pelo cardeal-patriarca D. José III, os príncipes pediram consentimento aos respectivos pais e trocaram de anéis. O momento foi anunciado à capital com estrondo, com o disparo de canhões dos navios ancorados no Tejo, seguido de foguetes e a marcha real.
O casal seguiu para o Palácio de Belém, onde iria viver feliz, longe das intrigas e obrigações da corte, até 1889. A morte de D. Luís, aos 50 anos, empurrou-os para a corte e as diferenças políticas entre os dois afastaram-nos irremediavelmente. Em 1908, a tragédia anunciada concretizou-se: D. Carlos I e o herdeiro, D. Luís Filipe, foram assassinados e precipitou-se o fim da monarquia.
(Fonte: revista SÁBADO)
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