Jornalista investigou mais de 80 rumores e procurou descobrir a origem e suas consequências. O boato da relação entre o cantor Melão e o jogador de futebol Calado teve consequências nefastas, pelo menos, na vida deste último. A humilhação social foi de tal ordem que o jogador saiu do Benfica, do país, e há um ano estava jogar numa equipa do Chipre.
Há um ano atrás, porque foi nessa altura que Susana André lhe seguiu o rasto e o conseguiu localizar, precisamente para sustentar a pesquisa para o livro que hoje é lançado "Mitos Urbanos e boatos" (onde analisa mais de 80 rumores), e cujo ponto de partida foi uma reportagem feita para a SIC.
O caso chegou a ser desmentido mais do que uma vez, inclusive através do "Herman SIC", "talk show" de Herman José, mas o assunto não se arrumou. "Por mais desmentidos que se façam, estes nunca têm o mesmo efeito que a primeira história. Por isso, os boatos podem ser imortais", afirma a repórter. Susana André ficou muito impressionada com os efeitos deste rumor, até por causa do filho do Calado, que, a reboque, sofreu na pele o que se dizia - "Capitão gay" - sobre o pai.
Falavam nas costas do actorOutro dos mexericos que destaca tem como protagonistas José Sócrates e Diogo Infante. Corria o ano de 2005, assistia-se a uma campanha eleitoral, e as sondagens davam já franca vantagem a Sócrates, quando um rumor sumarento se espalhou rapidamente. Susana André conseguiu descobrir que o boato sobre a alegada relação entre o actor e o político foi lançado numa crónica escrita no site brasileiro Giba Um. Falava-se numa "amizade coloridíssima". "A crónica acendeu o rastilho, a Internet fez o resto", conta.
De pista em pista, a jornalista veio a descobrir que Diogo Infante era vizinho da namorada de então de José Sócrates, o que justifica a sua presença nas redondezas. O actor contou-lhe o quão difícil foi suportar os olhares maldosos e cochichos na rua. Santana Lopes chegou a dizer que José Sócrates preferia "outros colos", como documenta Susana André e o actual primeiro-ministro reagiu falando de um PSD "irreconhecível", capaz de "fazer aquele tipo de campanha".
No top dos boatos nacionais, Susana André destaca os ratos no Convento de Mafra, ainda hoje motivo de perguntas por parte dos professores. Antes das visitas de estudo, continuam a perguntar pela segurança do local. Outro forte é o do caixão arranhado por Carlos Paião. A esposa do cantor, médica de profissão, despistou a Susana André qualquer dúvida a respeito dessa eventualidade.
Mais incómodo para o jornalismo é o que se passou com o que agora se sabe ter sido um falso arrastão em Carcavelos. Este é outro dos casos eleitos pela jornalista. Falhou aqui o essencial, diz a repórter, "não se cruzaram fontes e deu-se o feito contágio" entre os órgãos. Conclusão: nem todos os cidadãos ficaram a saber que apenas houve alguns furtos, o que é diferente de uma movimentação criminosa alastrada pela praia.
"Os jornalistas têm de parar para pensar, não podem reagir instantaneamente", diante das informações que lhe vão chegando, "muitas delas rumores". "Faz parte do seu trabalho verificar, ouvir pelo menos duas fontes. Implica trabalho. O jornalismo é uma actividade com enormes responsabilidades sociais", sublinha.
"À partida, se houver um trabalho eficaz, dificilmente o jornalista é manipulado. Mas nem sempre é fácil, é preciso não ceder às pressões, quer sejam dos editores quer da rapidez exigida pelos meios de comunicação social".
Na pesquisa desenvolvida durante mais de três anos também encontrou muitos boatos divulgados como se fossem notícia na imprensa cor-de-rosa. Numa revista semanal encontrou uma reportagem que partia de um caso em que o noivo teria denunciado a noiva traidora no dia do casamento através da revelação de fotos comprometedoras. Ora bem, parece que a história tem traços de boato, afirma Susana André. Este rumor prolifera em vários países, ainda que com variantes. O impacto da narrativa tem sido tão grande que chamou a atenção de jornais como o New York Times e o Washington Post, pois estes já lhe dedicaram matérias desenvolvidas, na perspectiva de como se pode descodificar estas criações.
Óbito de imigrantes chineses
E conta ainda como pode também suceder o contrário: ser a notícia a gerar o boato. Num jornal português chegou a escrever-se que não havia registo de morte de imigrantes chineses em Portugal. Apesar do artigo referir a fonte INE, Instituto Nacional de Estatística, Susana André desconfiou. E não é que segundo os dados a que teve acesso do INE, contabilizaram-se nesse ano 30 mortes.
Texto in JN online, 25-3-2010
Foto de Calado e cartoon sobre o Boato in Google