Não basta reconhecer "o erro" nos casos de pedofilia que têm assolado a Igreja Católica, nem condenar quem os cometeu. Bispos e Papa "deviam ir para a prisão" por eles, defende a teóloga feminista Myra Poole.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião de uma conferência em Lisboa, para a qual foi convidada pelo grupo português do movimento internacional Nós Somos Igreja, a católica inglesa da congregação de irmãs Notre Dame de Namur, fundada em França e que se tem dedicado à educação das jovens, repetiu várias vezes a palavra "consternada" para descrever o seu sentimento em relação aos abusos sexuais de menores cometidos por padres em vários países.
"É terrível o que estes homens fizeram, mas a responsabilidade é dos bispos e do Papa", que "deviam ir para a prisão com eles", porque este tipo de abusos resulta de "uma cultura aceite pela Igreja", diz Myra Poole, classificando como "disparate" as tentativas de relacionar o celibato com a pedofilia: "Não é o celibato, é a cultura do catolicismo e a ausência de mulheres [nos cargos eclesiásticos]".
A teóloga que defende a ordenação de mulheres vai mais longe e pede a resignação de Bento XVI: "Acredito - e vou ser muito radical agora - que o Papa devia resignar. Não tenho qualquer dúvida." E, correndo o risco de ser "linchada", promete que vai defender isso mesmo nas ruas quando o Papa visitar Inglaterra.
"Reconheceram o erro, ok. Mas a desculpa do Papa é um pouco tardia. Como cardeal Ratzinger, sabia o que se passava. E se não soubesse, não estava a fazer o seu trabalho. Não há desculpa. Não são líderes capazes, não deviam estar nestes papéis", afirma, exigindo uma reacção mais vigorosa aos escândalos de pedofilia por parte da hierarquia.
A teóloga não defende porém a expulsão dos padres que praticaram abusos: "Sinto muita pena destes homens, estavam sob a orientação de uma liderança. Por que é que a liderança não alertou para a gravidade do que eles estavam a fazer? Não os culpo só a eles. Isso é o que a liderança da Igreja está a fazer, culpando estes pobres homens. Não o deviam ter feito, mas a velha cultura masculina do catolicismo permitiu que continuassem a fazê-lo. A responsabilidade primária é da liderança."
"A grande tragédia" é que os altos responsáveis "não serão responsabilizados", antecipa. E os padres continuarão a ser "mudados para outras paróquias para continuar com as suas coisas". "É uma situação muito grave. Se estes homens estivessem na esfera pública seriam obrigados a demitir-se. Se o primeiro ministro [britânico] Gordon Brown fosse responsável por uma coisa destas teria de sair. Todos os bispos devem sair e o actual Papa tem de sair."
Defendendo que é preciso haver "uma rebelião na Igreja", Myra Poole diz que toda a comunidade católica deve "ter algo a dizer sobre a próxima forma de Papado" e sustenta que "o problema é que não há democracia na Igreja".
Os escândalos de pedofilia são "um sinal de que precisamos de mudanças profundas, de uma revolução suave, no Papado e na hierarquia em Roma. São muito, muito, corruptos, e são-no há dois mil anos sem qualquer avaliação externa do que fazem. Precisamos de uma autoridade secular dentro da Cúria para ver o que se está a passar", vinca.
in JN online, 29-3-2010
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