Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Quando o maoísmo abalou a ditadura...

A partir de 1969 a segunda vaga do maoísmo chega a Portugal. Até 1974 vai abrir novas frentes de contestação da ditadura. Historiadores e testemunhas da época debateram este período na Universidade Nova de Lisboa.






A diferença entre os maoístas e os tradicionais opositores da ditadura, incluindo o PCP, era que nas manifestações de rua os primeiros estavam resignados a, quase sempre, comer e a calar. Os segundos trazem para Portugal tácticas e atitudes decalcadas do Maio de 68 e mostram estar dispostos a responder à violência policial na mesma medida. Este quadro foi traçado na segunda sessão do seminário "O Cisma Sino-Soviético: Impactos Nacionais e Globais", promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

A partir de 1972 manifestações-relâmpago contra a guerra colonial baralharam o dispositivo repressivo. Este passou a ter que enfrentar toda uma panóplia de truques, do genial ao ingénuo, desde berlindes e sabão para tornar as calçadas escorregadias, a bandeiras vermelhas disfarçadas de bandeiras do Benfica ou bloqueio de cruzamentos estratégicos com o corte dos cabos que prendiam o trólei dos eléctricos. "Resta saber, se não tem havido o 25 de Abril, se estas organizações de extrema-esquerda se sentiriam, ou não, tentadas a enveredar pela violência organizada ou mesmo pela luta armada". Esta a dúvida deixada por Carlos Gaspar, um dos organizadores desta série de conferências.

Não era apenas pela postura que os maoístas portugueses se distinguiam. Era, também, pela retórica e pela iconografia. O caso extremo era o do MRPP que copiava à letra as palavras de ordem chinesas. Não faltavam cartazes em que as pessoas retratadas se apresentavam vestidas como guardas vermelhos, até com os olhos ligeiramente amendoados.







Retórica inflamada


Esta retórica não poupava, sequer, os grupos do mesmo campo ideológico. Aprecie-se este pedaço de prosa publicado no jornal clandestino da organização estudantil do MRPP "Guarda Vermelha" em Fevereiro de 1973 e dedicado aos seus concorrentes da UEC-ML: "A confraria neo-revisionista continua a vomitar a sua peçonha reaccionária e arregaça despudoradamente as saias para mergulhar libidinosamente no âmago da provocação"...

Ao contrário das restantes formações de inspiração maoísta (PCP-ML, OCMLP, etc) que se reclamavam herdeiras de um PCP que tinha degenerado, o MRPP tinha como uma das pedras basilares da sua cartilha que nunca tinha havido um verdadeiro partido comunista em Portugal. Mas então porquê chamarem-se Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado?




A verdade da mentira


Outra característica que, não sendo exclusiva do MRPP, era por este levada aos píncaros do exagero, era a deturpação da realidade para efeitos de propaganda. O primeiro conferencista, o investigador Manuel Lopes Cordeiro, recordou uma notícia publicada no órgão central do partido, "Luta Popular" em Outubro de 1973 referindo uma manifestação de centenas de estudantes no Largo do Carmo, no Porto. Ora, como refere Lopes Cordeiro, a praça estava ocupada pela polícia e nunca houve manifestação nenhuma. Ao ponto de mais tarde, o próprio jornal se ter sentido na obrigação de criticar os camaradas que "exageravam na descrição dos acontecimentos".

O que era comum a todos estes movimentos era a inspiração chinesa. "Os jovens da altura viam uma lógica anti-autoritária na Revolução Cultural Chinesa e isso explica boa parte da sedução das vanguardas estudantis da época", disse o segundo conferencista, o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Miguel Cardina.

Armas simbólicas


A presença de desenhos das armas - nomeadamente as kalashnikov da guerrilha - era uma das características distintivas dos panfletos maoístas, a par de referências explícitas ao internacionalismo e a todo um imaginário terceiro-mundista. "Nisso se distinguiam fortemente do PCP", referiu o mesmo investigador.

As próximas sessões estão marcadas para 5 de Maio e 18 de Junho e analisarão, respectivamente, o contexto do PREC e os problemas postos pela independência das colónias.



in Expresso online, 12-3-2010

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.