O Mundial
por Helder Fráguas
Alguns recordam as emoções vividas quando a selecção portuguesa brilhou no Mundial de 1966.
Outros ainda não eram nascidos ou eram demasiado jovens para se lembrarem. Eu incluo-me entre estes últimos. Contava alguns meses de idade.
Mesmo assim, a maioria dos portugueses conhece as proezas dos Magriços. Alguns até têm amigos entre os magníficos futebolistas que integravam a representação nacional.
Coloco-me também neste grupo, devido à amizade que me liga ao José Augusto, cujas qualidades humanas ultrapassam, em muito, o carácter de atleta de excepção.
Eu desconhecia é que a derrota infligida por Portugal à selecção da Coreia do Norte teve sérias consequências para os futebolistas vencidos.
O campeonato de 1966 decorreu em Inglaterra.
Itália constituía uma temida equipa, conhecida por Azzurra. Contudo, nas eliminatórias, a Coreia do Norte venceu-a por um a zero.
Os jogadores norte-coreanos entusiasmaram-se imenso com a espectacular vitória. Festejaram alegremente, num bar, bebendo muito e envolvendo-se com raparigas. Apenas Pak Du-Ik faltou à celebração. Permaneceu no hotel, retido com dores de estômago.
Dois dias depois, a Coreia do Norte enfrentou a selecção portuguesa.
Ao que parece, os asiáticos ainda não se encontravam completamente restabelecidos. Eles até se evidenciaram no início do jogo. Aos 22 minutos, Portugal sofrera três golos consecutivos, sem marcar nenhum.
Mas o resultado final foi-nos altamente favorável. Seguiram-se cinco tentos nossos. Os primeiros marcados por Eusébio. O último por José Augusto. A selecção das quinas venceu por cinco a três!
RECEPÇÃO DOS VENCIDOS
Imagine-se como os futebolistas derrotados foram recebidos no país liderado por Kim Il-Sung…
Não. Não se consegue imaginar.
O único atleta que mereceu indulgência foi o tal que estivera adoentado e não se deslocou ao bar, após a vitória sobre a Itália.
Todos os outros foram presos e enviados para campos de reeducação. Ao longo de anos, conheceram interrogatórios, tortura, fome, árduos trabalhos forçados, humilhações constantes, ausência de cuidados médicos, privação de visitas e condições de habitabilidade péssimas, em zonas fustigadas pelo frio. Conviveram com execuções de companheiros de infortúnio.
Kang Chol-Hwan é um jornalista, que conseguiu escapar da Coreia do Norte. Entre os 10 e os 20 anos de idade, viveu no campo de concentração de Yodok. Tudo porque, supostamente, o seu avô cometera um delito político.
Nesse presídio, Kang conheceu um daqueles jogadores, que já se encontrava preso há 12 anos.
Tratava-se de Park Seung-Jin.
Numa fase inicial, o ex-futebolista até não era dos que mais sofria.
Tinha a seu cargo os materiais de construção do campo. Conseguia guardar, para si, algumas ferramentas e certos produtos, que lhe serviam de moeda de troca. Porém, numa ocasião, foi apanhado em flagrante, desviando pregos e cimento. Permaneceu em total isolamento, durante três meses. Nunca mais voltou a desempenhar aquelas funções.
Passou a sobreviver alimentando-se de insectos. A sua alcunha era Barata, um dos bichos que faziam parte da sua nutrição.
Este impressionante relato consta do livro “Os Aquários de Pyongyang”, escrito pelo mencionado jornalista.
Quando o autor da obra foi libertado de Yodok, em 1988, o antigo desportista ainda permanecia lá preso.
ÁFRICA DO SUL
Em 21 de Junho, na África do Sul, o Campeonato do Mundo proporcionará um reencontro entre as selecções de Portugal e da Coreia do Norte.
O regime da Coreia do Norte em nada mudou.
Apesar de ter morrido em 1994, Kim Il-Sung ainda é oficialmente o Presidente Eterno da República Democrática Popular da Coreia. Seu filho, Kim Jong-Il, assume o cargo de Líder Supremo.
Texto e imagens publicados em 06-12-2009
no "Aqui e Agora"
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