«A morte de Saramago transformou-se na canonização de Saramago. Este desporto lusitano sempre me pareceu uma paradoxal forma de desrespeito pelo defunto: uma vida pública pressupõe feitos e falhas.
Os feitos estão nos livros: ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’ ou o recentíssimo ‘A Viagem do Elefante’ oferecem páginas que merecem ser lidas por qualquer cultor ou leitor da língua. E, ao contrário do que certa direita apedeuta defende, Saramago era, com Fernando Pessoa, o único escritor português de estatuto universal. E não apenas nas livrarias do Terceiro Mundo (onde, de facto, era um Deus).
Mas nada disto deve ocultar as falhas e transformar Saramago no que ele nunca foi: um ‘democrata’ e um lutador pela ‘liberdade’. Excepto se reduzirmos a ‘democracia’ e a ‘liberdade’ à exacta cartilha marxista-leninista que, só no século XX, produziu um cortejo de desumanidade, miséria e cadáveres. Uma cartilha a que Saramago nunca renunciou – e com visível orgulho.
Honrar Saramago é lembrar a sua biografia toda. Não é fazer com ela o que Estaline fazia com os retratos dos seus inimigos.»
Os feitos estão nos livros: ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’ ou o recentíssimo ‘A Viagem do Elefante’ oferecem páginas que merecem ser lidas por qualquer cultor ou leitor da língua. E, ao contrário do que certa direita apedeuta defende, Saramago era, com Fernando Pessoa, o único escritor português de estatuto universal. E não apenas nas livrarias do Terceiro Mundo (onde, de facto, era um Deus).
Mas nada disto deve ocultar as falhas e transformar Saramago no que ele nunca foi: um ‘democrata’ e um lutador pela ‘liberdade’. Excepto se reduzirmos a ‘democracia’ e a ‘liberdade’ à exacta cartilha marxista-leninista que, só no século XX, produziu um cortejo de desumanidade, miséria e cadáveres. Uma cartilha a que Saramago nunca renunciou – e com visível orgulho.
Honrar Saramago é lembrar a sua biografia toda. Não é fazer com ela o que Estaline fazia com os retratos dos seus inimigos.»
João Pereira Coutinho, in CM online, 20-6-2010
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