Isto deve ser genético. Já quando foi da II Guerra Mundial não entrámos. Agora, temos a II Crise Mundial (depois da de 1929) e continuamos de fora. Isto digo eu, que leio os jornais. Os lá de fora e os cá de dentro. Os lá de fora, é a crise, a crise e a crise. Ontem, o Guardian tinha na primeira página a foto cinzenta com umas caras cinzentas como já não se viam na Europa desde os anos 30. Proletas britânicos, com cartazes britânicos: "Empregos britânicos para trabalhadores britânicos!" Solidariedade é palavra que já de si se soletra mal, com medo não dá de todo.
Já em Portugal, as capas, é sobre a telenovela: "A Carta". Argumento escrito por cá, em 2005, de autor anónimo, mandado para Inglaterra para lhe dar patine internacional, e reimportado em episódios. Como veio com a chancela Serious Fraud Office (SFD), que tomamos por departamento da BBC, é um sucesso. Desde aí, o País está suspenso como só esteve há muito, quando apareceu a "Gabriela". A questão que atravessa o País é: "ele" está mesmo metido? O nosso nível de julgamento foi moldado por Tonico Bastos. Desde essa primeira telenovela, continuamos gente simples.
Reparem, a nossa, essa de negar a crise, é uma forma como outra qualquer de reagir. O americanos, embalados pela esperança de Obama, readaptam a doutrina Monroe: "Os projectos americanos para as empresas americanas." O Governo espanhol deixa os seus cidadãos mais necessitados resgatar os fundos de pensões. A Rússia de Putin, herdeira dos planos quinquenais da URSS, traça um plano trienal de crise. Os povos, assustados pelo estrebuchar dos líderes, regressam à luta de massas: greve geral em França e esse chauvinismo já referido dos trabalhadores das refinarias britânicas... Quem podia ainda ter dúvida sobre a vastidão da crise convenceu-se com a notícia da semana: Bono, por estar a preparar um novo álbum, não foi a Davos. Quando o próprio messias faz pela vidinha, isto está mesmo, mesmo, mal.
Só nós nos opomos à crise. Não, não é opormo-nos dessa forma vulgar dos outros, que procuram soluções ou, pelos menos, se assustam. Nós combatemo-la da forma mais radical: negamo-la. Não venham cá com as vossas estatísticas, que nós temos a nossa curiosidade: o gajo está mesmo metido, não está?
Eu acho piada à táctica e consolam-me sempre provas de que somos um pouco originais. Um povo que já deu mundos ao Mundo há de ter alguma peculiaridade. Se alguns bascos pensam que são únicos por causa de um sangue RH negativo especial, talvez nós sejamos, como mais ninguém, imunes às crises, sei lá.
O meu problema é ler jornais lá de fora. Peço desculpa, mas a crise é mais do que universal, é também portuguesa. Por isso, peço: mesmo que o gajo não esteja metido, metam-no. Não podemos é estar mais tempo nesta telenovela.
.
Ferreira Fernandes, Diário de Notícias online, 01-02-2009
Sem comentários:
Enviar um comentário