«Algo esteve mal na leitura da sentença do caso Casa Pia.
Importa explicar o que sucedeu de errado.
Em primeiro lugar, os órgãos de comunicação social tendem a referir-se a acórdão. Não é incorrecto. Mas é pouco consentâneo com a lei e com a linguagem corrente.
Num julgamento, a decisão final chama-se sentença. Se for proferida por um tribunal colectivo, pode designar-se por acórdão. Com efeito, os três juízes acordam em deliberar daquele modo.
Todavia, o vocábulo “acórdão” é normalmente reservado para as sentenças dos tribunais superiores. Na primeira instância, fala-se mais frequentemente em “sentença”, quer seja proferida por um único juiz ou por um colectivo de magistrados.
DEPOSITAR A SENTENÇA
Vejamos agora como se procede à leitura da sentença.
A mesma é imprimida. Os três juízes assinam. Na sala de audiências, é lida publicamente.
De seguida, o juiz-presidente procede ao depósito da sentença na secretaria. O funcionário apõe a data na sentença e subscreve a declaração de depósito. Depois, fornece cópias aos advogados que o solicitarem. Assim, garante-se que a sentença não é passível de alterações posteriores.
APONTAMENTOS
É cada vez menos habitual uma prática ilegal: a leitura de sentença por apontamento.
Nesse caso, o juiz anota numa folha de papel a sua decisão. Por exemplo, sete anos de prisão para o arguido José e absolvição da arguida Maria.
No momento da leitura da sentença, comunica o resultado. Posteriormente, redige a sentença e deposita-a.
O problema é que alguns juízes levavam meses a escrevê-la. Não se pode esperar que alguém cumpra uma pena se não há sentença escrita.
Um certo juiz adoptava essa prática. Deixou as suas funções e foi nomeado secretário de estado. Ficaram dezenas de sentenças por fazer. Nunca mais veio a escrevê-las.
Estes casos acontecem cada vez menos.
QUANDO MENOS SE ESPERA
O que poderá acontecer, mais amiúde, é a sentença não estar completamente terminada, faltar ajustar alguns detalhes ou corrigir determinados lapsos. Aproxima-se a hora da leitura da sentença. O juiz imprime-a, tal como ela se encontra. Após a leitura, regressa ao seu gabinete e compõe-na devidamente. Após, procede ao depósito.
É aqui que, eventualmente, pode surgir um problema informático.
Como disse Fernando Jorge, presidente do sindicato dos funcionários de justiça, “situações como esta são frequentes, mas não são notícia”.
O juiz acede ao documento, altera o texto e procede à sua impressão. No decurso destas operações, pode haver uma falha técnica.
Tal já me sucedeu. Em Almeirim, julguei oito arguidos, todos da mesma família. Aquando da leitura da sentença, verifiquei que tinha cometido um lapso no apelido de um deles. Sublinhei o nome e assinalei, de modo bem visível.
Quando me sentei à frente do computador, este pura e simplesmente não funcionava. Veio um técnico de Lisboa, que não conseguiu solucionar a avaria.
Nesta minha ocorrência, tudo foi simples. Recorrendo a outro computador, voltei a escrever uma das páginas da sentença.
ALTERAÇÕES A FAZER
No momento da leitura da sentença do caso Casa Pia, o advogado Sá Fernandes foi certeiro. Apercebeu-se do que se passara.
Aquela sentença não poderia ser entregue aos advogados. A juíza-presidente tinha de sentar-se de novo em frente ao seu computador. Uma nova impressão seria feita. Apenas depois, realizar-se-ia o depósito. Infelizmente, o computador falhou, como acontece muitas vezes.
Algo de anómalo se passou, antes disso. A juíza-presidente terá perguntado aos advogados se pretendiam que a sentença fosse lida na íntegra ou se, pelo contrário, concordavam que se procedesse a uma súmula.
Isto é inaceitável.
A leitura da sentença é uma das mais importantes e solenes diligências processuais. Não se destina aos advogados. É para ser ouvida pelas vítimas, pelo público, pelos jornalistas, para não falar nos arguidos.
Se a fundamentação da sentença for muito extensa, o magistrado procede a uma súmula.
Compete ao juiz-presidente – e somente a ele – decidir se a fundamentação é ou não muito longa. Nesse caso, resume o seu conteúdo.
Este poder não é delegável nos advogados. Não são os advogados que determinam se a sentença é muito grande e se deve sintetizar a sua leitura.»
Importa explicar o que sucedeu de errado.
Em primeiro lugar, os órgãos de comunicação social tendem a referir-se a acórdão. Não é incorrecto. Mas é pouco consentâneo com a lei e com a linguagem corrente.
Num julgamento, a decisão final chama-se sentença. Se for proferida por um tribunal colectivo, pode designar-se por acórdão. Com efeito, os três juízes acordam em deliberar daquele modo.
Todavia, o vocábulo “acórdão” é normalmente reservado para as sentenças dos tribunais superiores. Na primeira instância, fala-se mais frequentemente em “sentença”, quer seja proferida por um único juiz ou por um colectivo de magistrados.
DEPOSITAR A SENTENÇA
Vejamos agora como se procede à leitura da sentença.
A mesma é imprimida. Os três juízes assinam. Na sala de audiências, é lida publicamente.
De seguida, o juiz-presidente procede ao depósito da sentença na secretaria. O funcionário apõe a data na sentença e subscreve a declaração de depósito. Depois, fornece cópias aos advogados que o solicitarem. Assim, garante-se que a sentença não é passível de alterações posteriores.
APONTAMENTOS
É cada vez menos habitual uma prática ilegal: a leitura de sentença por apontamento.
Nesse caso, o juiz anota numa folha de papel a sua decisão. Por exemplo, sete anos de prisão para o arguido José e absolvição da arguida Maria.
No momento da leitura da sentença, comunica o resultado. Posteriormente, redige a sentença e deposita-a.
O problema é que alguns juízes levavam meses a escrevê-la. Não se pode esperar que alguém cumpra uma pena se não há sentença escrita.
Um certo juiz adoptava essa prática. Deixou as suas funções e foi nomeado secretário de estado. Ficaram dezenas de sentenças por fazer. Nunca mais veio a escrevê-las.
Estes casos acontecem cada vez menos.
QUANDO MENOS SE ESPERA
O que poderá acontecer, mais amiúde, é a sentença não estar completamente terminada, faltar ajustar alguns detalhes ou corrigir determinados lapsos. Aproxima-se a hora da leitura da sentença. O juiz imprime-a, tal como ela se encontra. Após a leitura, regressa ao seu gabinete e compõe-na devidamente. Após, procede ao depósito.
É aqui que, eventualmente, pode surgir um problema informático.
Como disse Fernando Jorge, presidente do sindicato dos funcionários de justiça, “situações como esta são frequentes, mas não são notícia”.
O juiz acede ao documento, altera o texto e procede à sua impressão. No decurso destas operações, pode haver uma falha técnica.
Tal já me sucedeu. Em Almeirim, julguei oito arguidos, todos da mesma família. Aquando da leitura da sentença, verifiquei que tinha cometido um lapso no apelido de um deles. Sublinhei o nome e assinalei, de modo bem visível.
Quando me sentei à frente do computador, este pura e simplesmente não funcionava. Veio um técnico de Lisboa, que não conseguiu solucionar a avaria.
Nesta minha ocorrência, tudo foi simples. Recorrendo a outro computador, voltei a escrever uma das páginas da sentença.
ALTERAÇÕES A FAZER
No momento da leitura da sentença do caso Casa Pia, o advogado Sá Fernandes foi certeiro. Apercebeu-se do que se passara.
Aquela sentença não poderia ser entregue aos advogados. A juíza-presidente tinha de sentar-se de novo em frente ao seu computador. Uma nova impressão seria feita. Apenas depois, realizar-se-ia o depósito. Infelizmente, o computador falhou, como acontece muitas vezes.
Algo de anómalo se passou, antes disso. A juíza-presidente terá perguntado aos advogados se pretendiam que a sentença fosse lida na íntegra ou se, pelo contrário, concordavam que se procedesse a uma súmula.
Isto é inaceitável.
A leitura da sentença é uma das mais importantes e solenes diligências processuais. Não se destina aos advogados. É para ser ouvida pelas vítimas, pelo público, pelos jornalistas, para não falar nos arguidos.
Se a fundamentação da sentença for muito extensa, o magistrado procede a uma súmula.
Compete ao juiz-presidente – e somente a ele – decidir se a fundamentação é ou não muito longa. Nesse caso, resume o seu conteúdo.
Este poder não é delegável nos advogados. Não são os advogados que determinam se a sentença é muito grande e se deve sintetizar a sua leitura.»
Texto de Helder Fráguas, Juiz de Direito.
in "Aqui e Agora"
http://fraguasonline.blogspot.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário