Pela primeira vez, uma produção inteiramente portuguesa, a curta-metragem "Arena", de João Salaviza, trouxe uma Palma de Ouro de Cannes para Portugal. Michael Haneke, com "Le ruban blanc", venceu a Palma de Ouro principal.
Em 1962, a co-produção luso-brasileira "O pagador de promessas" fora o vencedor do prémio maior de Cannes. Mas, desta vez, o prémio é todo português. De uma forma talvez inesperada, "Arena" convenceu o júri, presidido por John Boorman, que entregou, ontem, no encerramento do festival, o prémio ao jovem realizador.
João Salaviza não tem 21 anos, como Boorman, erradamente, referiu, mas os seus 25 anos são uma promessa de um futuro auspicioso para o cinema português. Aliás, o realizador de "A floresta esmeralda" fez questão de referir o "nascimento de um talento".
Quanto a Salaviza, depois de agradecer ao festival a possibilidade de mostrar a sua paixão pelo cinema e a todas as pessoas que em Portugal o ajudaram a fazer o filme, referiu que "o cinema está vivo e quero partilhar este prémio com as pessoas da minha geração", referindo-se aos realizadores dos restantes oito filmes que competiam pela Palma de Ouro da curta-metragem.
João Salaviza referiu ainda que "este prémio é uma honra enorme. É bom perceber que não somos só bons no futebol. Espero que isto ajude, de alguma maneira, aqueles que fazem cinema em Portugal e que dê um pouco mais de atenção sobre o cinema português."
O filme, com 15 minutos de duração, segunda curta-metragem do autor, depois de "Duas pessoas", rodado em 2004, centra-se na personagem de Mauro, interpretado por Carloto Cotta, que se encontra em prisão domiciliária, com uma pulseira electrónica. As tatuagens são a forma de passar o tempo e de se expressar, no seu próprio corpo. Mas quando três miúdos do bairro o resolvem provocar, Mauro decide que chegou a hora de vir cá para fora…
"Não pedi aos meus actores para escreverem os seus papéis, pedi-lhes para serem verdadeiros. No meu filme, tenho um actor profissional e jovens que nunca tinham representado. Vêm de bairros à volta de Lisboa, compreendem o que estão a fazer, percebem a ideia de violência que está no filme. Não foi difícil trabalhar com eles", refere o realizador português.
Entretanto, aquilo em que, antes do festival, ninguém acreditava acabou por acontecer. Isabelle Huppert, que trabalhou duas vezes com Michael Haneke, tendo mesmo ganho um dos seus prémios de interpretação em Cannes com "A pianista", acabou por "devolver" a honra a Haneke, enquanto presidente do júri da selecção oficial, entregando a Palma de Ouro da 62ª edição do Festival de Cannes a "Le ruban blanc", do realizador austríaco.
Haneke, que aqui aborda as relações de poder numa comunidade protestante do norte da Alemanha no início da Primeira Guerra Mundial, é uma "criação" do Festival de Cannes, fazendo filmes da moda, mas que pouca gente deseja efectivamente ver, pela sua excessiva intelectualidade, esquecendo a empatia emocional que uma obra cinematográfica deverá sempre ter para ser partilhada com o espectador.
Seja na temática - a violência em "Funny games", que refez sem brilho nos Estados Unidos; os média, em "Nada a esconder" -, seja na abordagem fílmica ("a la Buñuel", com "A pianista", imitando aqui Dreyer e Straub), Haneke é um realizador cujos filmes brilham em festivais de cinema, mas que não vão merecer, decerto, muitas linhas nas futuras histórias do cinema.
Texto in JN online, 24-5-2009
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