Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Quer matar um magistrado do Tribunal de Família de Lisboa?

O Expresso, com a preciosa colaboração de um procurador-coordenador do Ministério Público, publicou este excelente manual de instruções:


"Boa tarde Sr. Procurador. Posso matá-lo?"

(Os edifícios do Campus da Justiça foram idealizados para escritórios)

"Desde que o Tribunal de Família e Menores de Lisboa (TFML) se mudou, há três meses, para o novíssimo Campus da Justiça, no Parque das Nações, que juízes, procuradores e funcionários judiciais se queixam de lacunas graves de segurança. "O detector de metais é inútil, os sistemas de acesso condicionado estão inactivos, não há sequer corredor de segurança para magistrados. Vamos para as audiências pela escada de incêndio", conta, arreliado, o procurador-coordenador Celso Manata. "Aqui julgam-se gangues juvenis, retiram-se crianças à família. Se alguém quiser vingar-se é fácil. Tentem lá chegar ao meu gabinete. Ninguém vos pára."

Desafio feito, desafio aceite. Com uma tesoura (de pontas redondas) e uma faca (de brincar) na mala, o Expresso foi, na passada terça-feira, testar in loco o grau de permissividade do tribunal. E não demorou mais de dez minutos. Sem pressas.

A entrada fez-se às claras, pela porta principal do edifício I, mas nenhum dos dois seguranças da portaria pediu a identificação ou questionou o motivo da visita. Aliás, atenciosos, até confirmaram o piso onde trabalha o procurador. Ao passar pelo pórtico de detecção de metais, o sistema apitou. Suspendi a marcha. Mas os seguranças nem viraram o rosto. "Não têm 'raquetes' para localizar os objectos", explica Celso Manata.



(Na entrada do tribunal, o pórtico de detecção de metais está ligado, mas é inútil. Quem passa e apita não é barrado nem revistado, porque os seguranças não têm as ‘raquetes’ necessárias. A maioria, para evitar o ruído, passa ao lado)

Na verdade, também podia ter optado por passar ao lado do detector - há dois amplos espaços laterais - ou até por uma porta paralela, que ali existe, como fazem os funcionários para evitar o zumbido a cada atravessamento. Quem se dirige aos serviços do Ministério Público e Secretaria Geral nem encontra qualquer sistema de alarme.

Apanhado o elevador, a porta abre no terceiro andar. Volto a perguntar onde fica o gabinete do coordenador. "À esquerda, terceira porta", respondeu uma funcionária, sem hesitação ou receio. Porém, o corredor dos gabinetes dos magistrados é de acesso condicionado, como informa um autocolante na porta-barreira. Lá está a luzinha vermelha a atestar o bloqueio. Mas também lá está uma maçaneta, que bastou rodar e logo a luz verde se acendeu. Mais uns dez passos, mais uma maçaneta girada, e chegámos ao destino.

"Boa tarde Sr. Procurador, posso matá-lo?" Celso Manata pedira para não ser avisado do dia do teste, mas não se surpreendeu com a facilidade com que o Expresso chegou até ele. "Se fosse a sério, não teria como lançar um alerta. Ainda não instalaram os botões de pânico", conta.


(As escadas de incêndio são o único acesso seguro às salas de audiência)


Sair pelo supermercado
Seguiu-se a 'fuga'. E, diga-se, sair foi ainda mais fácil que entrar. No elevador bastou carregar no -1, rumo ao estacionamento, onde uma porta aberta - de suposto uso condicionado e vigiada - permite abandonar o tribunal através do supermercado do El Corte Inglés ou por outro elevador com acesso directo à rua. Escolhi a primeira hipótese. Quem quiser, pode entrar e sair por aqui, evitando a portaria.

"Este é um tribunal que lida com casos cada vez mais complicados, de violência grupal, crimes com armas... Não se pode facilitar", alerta a juíza presidente Lídia Renata. Só em 2008, o TFML movimentou 1431 processos de Promoção e Protecção e 2217 inquéritos, que incluem 664 roubos, 294 ofensas à integridade física, 39 usos de arma e 18 violações e abuso sexual.

"O edifício é novo, mas foi concebido para escritórios. Não foi feita a correcta adaptação e agora abundam os problemas. No geral são coisas pequenas, de mercearia, mas há questões estruturais graves para as quais não vejo solução adequada", explica Celso Manata, lembrando a ausência de corredor de segurança para os magistrados. A escada de incêndio do edifício, situada na fachada exterior, revelou-se o único acesso de uso restrito que lhes permite entrar nas salas de audiência. Evitam assim passar pelo meio de arguidos e testemunhas, mas sujeitam-se aos humores da meteorologia e às vertigens. Para as tornar mais amigáveis, muito em breve, as escadas serão cobertas por uma estrutura de acrílico.

"Quero ver o que vão dizer os bombeiros. Como é que acedem rapidamente aos pisos superiores se aquilo está fechado?", acrescenta Celso Manata. Tornar esta saída de emergência de acesso restrito levanta outra dificuldade. Como chegam lá os utentes do tribunal em caso de sinistro? Olhando para o mapa de evacuação colocado junto aos elevadores, parece fácil. O problema é que os circuitos foram traçados quando os pisos eram open spaces. Actualmente, é preciso atravessar repartições, corredores e muitas por trás. No quarto piso, por exemplo, o acesso está condicionado por um sistema de cartões magnéticos. No segundo, só se chega à saída através das salas de audiência.


(Os circuitos de evacuação foram feitos com os pisos ainda em open space)

"Qualquer mudança é difícil, sei disso. Mas não percebo a pressa. Porque não se esperou até haver condições para transferir o tribunal?", questiona Lídia Renata. A lista de problemas é enviada periodicamente por Celso Manata para a Procuradoria-Geral da República e pela juíza presidente para o Conselho Superior da Magistratura, e por ambos para o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça que gere o Campus.

Ao Expresso, o Ministério da Justiça afirma que "não existem deficiências de segurança" mas tão somente "novas soluções de segurança que se encontram em fase de instalação", garante que "o acesso às zonas reservadas está salvaguardado através de portas com controlo pelo que não existe risco" e assegura que "as condições de funcionamento e segurança são incomparavelmente superiores" às que existiam nos antigos edifícios.

Aos problemas de segurança junta-se a questionável salubridade do imóvel. Logo nos primeiros dias surgiram ratos no tribunal. Alguns foram conservados pelos funcionários em fotos de telemóvel para que não restem dúvidas. Com predilecção pelo 3º Juízo, largam dejectos e urina nas secretárias. Para aferir a presença dos ratos, por ali se pratica o teste da bolacha: numa gaveta é colocado um biscoito - ainda não houve dia sem mordidas.

A situação motivou um abaixo-assinado dos funcionários, que levou ao edifício a delegada de saúde. Em análise esteve também a qualidade do ar. As queixas de alergias, cefaleias e dificuldades respiratórias são frequentes, e já há pedidos de transferência para outros tribunais. Há mesmo uma juíza que despacha de máscara. No ofício, a médica diz que a situação dos ratos está controlada, mas recomenda uma maior renovação do ar."


(A porta de entrada já se partiu seis vezes. Trocam sempre por uma igual)


in Expresso online, 15-5-2009

2 comentários:

João Martins disse...

Posso matá-lo? E perdia-se grande coisa?

Deste vais gostar:
http://sol.sapo.pt/blogs/joaocrm/archive/2009/05/15/Aten_E700E300_o_3A00_-_DA00_ltima-Hora-_2D00_-Simulacro-em-Lisboa.aspx

Abraço.

Alberto João disse...

João,

Já fui ver o teu post...tenho-o no Portugal é porreiro, mas com outra imagem...rs

Abraço!

PS: Sobre o Tribunal de Família de Lisboa: Os anos de vida e de profissão, já me ensinaram que a segurança nunca é absoluta...a história está cheia de acontecimentos que provam isso...obviamente que deve haver um esforço permanente para a melhorar e consequentemente prevenir acontecimentos indesejaveis, mas...um procurador do Ministério Público divulgar através da comunicação social, eventuais falhas de segurança, é, no minimo, brincar com a vida das pessoas que trabalham naquele tribunal...concerteza que ele tem canais apropriados para resolver o assunto...chama-se a isto: brincar com o fogo e/ou entregar o ouro ao bandido!

Bom fim de semana!

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.