Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O primo Hugo e o primo Basílio...


«"Ele diz ter sido injustamente acusado de corrupção, e a sua vida transforma-se num pesadelo. Mas quando tudo parece perdido, um primo que foi aprender kung fu na China aparece para o salvar." A vida de José Sócrates parece um filme do Jackie Chan. É frequente que as vidas de certos estadistas passem para a tela, mas é menos comum que apareçam transformadas num filme de porrada. Talvez seja pouco subtil representar o combate político através de um combate em sentido literal, mas a vida de José Sócrates parece encaixar muito bem no género das artes marciais. Dentro desses, os de Jackie Chan parecem-me mais fáceis de afeiçoar à vida do primeiro-ministro do que os de Bruce Lee, por exemplo. Estou longe de ser um especialista em filmes de artes marciais, mas tenho a sensação de que Bruce Lee é um herói quase perfeito, ao passo que Jackie Chan, possuindo também bastante talento para aleijar inimigos, é mais apalhaçado e trapalhão, à semelhança de Hugo Monteiro.

Talvez seja importante referir que o comportamento de Hugo Monteiro é, aliás, desrespeitoso para José Sócrates a vários níveis. Primeiro, tentou usar o nome dele para conseguir fechar um negócio. Depois, foi requalificar-se para a China, ignorando ostensivamente o programa Novas Oportunidades, através do qual poderia ter obtido formação no nosso país. Além disso, tenta salvar o primo dando uma entrevista na qual faz conjecturas que o desmentem. Sócrates garantiu várias vezes que não conhece Charles Smith; Hugo Monteiro acha que tiveram uma reunião juntos. O primo de Sócrates é a prova de que os chineses não podem nada contra nós: é possível submeter um português ao ensino das artes marciais, à meditação, ao contacto com a sabedoria e a sensatez orientais - mas ele continuará a ser sempre um tuga.

A entrevista de Hugo Monteiro acabou, por isso, por se revelar desastrosa. Eu não via um primo a perturbar tanto uma família desde o primo Basílio. O último veio de França flanar para cá; o primeiro foi de cá flanar para a China. Nenhum é especialmente dotado para os negócios, mas têm ambos à-vontade financeiro para dedicar uns meses largos ao adultério e ao kung fu. Um pratica uma actividade que eleva o espírito e esfalfa o corpo, mas o kung fu do primo Hugo também deve cansar.

O retiro chinês de Hugo Monteiro acabará por lhe ser útil: as lições de kung fu ser-lhe-ão certamente úteis quando, depois de chegar a Portugal, for ter com o primo primeiro-ministro para, como já prometeu que faria, lhe pedir desculpa. Hugo Monteiro conhece bem o primo. Sabe que não lhe adiantaria fugir dele, porque Sócrates treina a corrida várias vezes por semana. Ir aprender maratona para o Quénia não lhe teria servido de nada. A única solução é aprender kung fu na China e defender-se o melhor que puder quando o primeiro-ministro o apanhar. »


Ricardo Araújo Pereira, Boca do Inferno, in Visão online, 21-5-2009



Sem comentários:

Contador, desde 2008:

Localizador, desde 2010:

Acerca de mim

A minha foto
"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.