" Até há pouco ameaçados pela caça e pela poluição, os flamingos estão de regresso, colocando manchas de rosa nas águas calmas do Tejo e do Sado. Há hoje mais de cinco mil animais que aqui vivem todo o ano, voltando aos lagos salgados de Espanha apenas para se reproduzirem.
As algas de que se alimentam dão-lhes a cor rosa
São portugueses por "adopção". Quase todos nasceram em Espanha; outros, poucos, vieram de França. O certo é que nenhum dos flamingos-comuns que escolheram as zonas húmidas de Portugal para viver nasceu no nosso país. Mas gostam de cá estar e o número destes graciosos pernaltas vai aumentando. O Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) estima que nos estuários do Tejo e do Sado existam cerca de cinco mil exemplares. E já começaram a chegar aos açudes do Alentejo.
É uma ave sensível à poluição das águas e à perturbação, mas as medidas da defesa do flamingo adoptadas por Espanha, França e Itália, há uns anos, explicam porque é que em Portugal, onde deixaram de ser caçados, a população tem aumentado. Tratando-se de uma espécie com elevados hábitos migratórios, facilmente voa cerca 500 quilómetros por dia à procura de comida. Chegar ao nosso país, após uma viagem iniciada em Fuentedepiedra, junto de um lago de montanha salgado - próximo de Málaga (Espanha) - é quase um passeio.
É na Primavera que a população se multiplica. Fuentedepiedra é o local preferencial de reprodução dos flamingos na Europa que temos, embora alguns casais possam optar pelo parque de Doñana, situado a sudeste de Huelva, na foz do rio Guadalquivir. "São aves que não nidificam em qualquer lado. Precisam de lagos com alta salinidade. É por isso que Portugal não oferece condições para os flamingos procriarem", explica Vítor Encarnação, técnico do ICNB.
Mas, afinal, porque escolheram as zonas costeiras de Portugal para viver e se, além do mais, já por aqui ficam quase durante todo o ano? A sábia Natureza tem a resposta na ponta língua. Só quem tem casal se desloca às zonas de reprodução, que na "época alta" se encontram sobrelotadas.
"Não há, naqueles sítios, lugar para mais ninguém. Os juvenis não vão estar a competir com os reprodutores e mesmo os adultos quando vêem que não há lugar vêm-se embora para não competir. Só ficam os casais que se estão a reproduzir, porque a Fuentedepiedra só serve de local de reprodução. Eles têm que fazer cerca de 500 quilómetros para se alimentar e levar comida aos filhos", revela Vítor Encarnação, alertando para a curiosidade de serem criadas autênticas creches. Enquanto os progenitores estão em viagem, as crias ficam agrupadas, guardadas por outros adultos.
Uma parte dos juvenis que existe hoje em Portugal ainda são do ano anterior, juntando-se aos adultos sem casal nas zonas onde o alimento abunda. As algas e a artémia, um pequeno camarão que existe nos tanques das salinas quase em fase de cristalização, são o alimento preferido. Aliás, aquela cor rosada que distingue o flamingo deve-se, precisamente, a esta dieta. Quando nasce, a ave tem uma vulgar tonalidade castanha e cinzenta, que passa a branco com o crescimento, antes de começar colorir as penas de rosa. Algas e alguns insectos compõem a sua dieta-base.
As salinas do Samouco, junto à Ponte Vasco da Gama, é o local onde flamingos são mais visíveis ao público, mas as maiores comunidades do Tejo residem entre a Ribeira das Enguias, a Ponta da Eva e o Mochão da Póvoa. Já no estuário do Sado é na Ilha do Cavalo e junto à Carrasqueira que se concentram os maiores bandos. Dormem enquanto a maré está cheia e só na vazante procuram o camarão entre o lodo. Já no Inverno dão preferência aos insectos dos arrozais.
Embora em menor número, os flamingos residentes em Portugal também procuram as rias de Aveiro e Formosa ou o Mondego, devido à sobrelotação que já existe nos estuários. É também por esta razão, certamente, que nos açudes do Alentejo já começaram a descobrir a abundante micro-fauna de insectos na água. Não lhes dá a tal cor tão bonita às penas, mas serve para encher a barriga."
in DN online, 14-9-2008
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