Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

domingo, 9 de novembro de 2008

Feira da Ladra...


"Crise fez disparar os vendedores de tralha.
Há cada vez mais, e mais variada gente, a tentar o desenrascanço na Feira da Ladra.
Tem fama de ser um antro de larápios e gente que se orienta na obscuridade de negócios pouco recomendáveis para candidatos à sacristia...

O JN esteve lá ontem, montou um estaminé com tralha de casa e vendeu tudo por tuta e meia. A chegada aconteceu em simultâneo com o nascer do sol. Já abundava a azáfama, gente por todo o lado a estender plásticos e a exibir o stock de objectos e produtos para venda. Essa é a hora dos espertalhões: indivíduos munidos de lanterna abordavam os recém-chegados e ofereciam quantias irrisórias por tudo aquilo que brotava das mochilas - e isso, claro, para ser revendido mais tarde, ao lado, a outros preços.

Cedo se percebeu onde é a zona "hardcore" da feira: lá em baixo, em redor da estátua de Bernardino António Gomes. Bastou passar lá para se sentir uma certa tensão no ar. Proliferavam os "mitras" com as suas indumentárias hip-hop, murmurando ao transeunte se acaso desejavam algum telemóvel topo de gama (larapiado horas antes, está visto).

Na zona mais alta do Campo de Santa Clara, o ambiente era mais leve. Muitos dos vendedores são reformados que fazem pela vida e procuram um extra para completar a parca quantia que recebem da reforma. Estudantes também os havia. E muitos desempregados que ali parecem ter a sua única fonte de rendimento. Mas também havia, e não pouca, gente da classe média eventualmente "à rasca" com a prestação da casa e afins - e lá foram tentar angariar mais uns trocos para serem canalizados para as contas do supermercado. A clientela era da mesma estirpe, ainda que fosse notória a predominância de imigrantes: cerca de dois terços daqueles que nos abordaram eram estrangeiros, com particular relevo para os africanos e os de países do Leste da Europa. Procuravam, essencialmente, roupa quente para o Inverno: camisolas de lã a um euro, casacos de fazenda a dois e por aí fora. Um senegalês que não sabia falar português, comprou-nos um par de sapatilhas usadas, não obstante serem um número abaixo e ficarem-lhe apertadas. Pediu desconto com a justificação de que iria gastar mais uns euros no sapateiro para alargar o calçado.

Os portugueses, por seu turno, pareciam ter particular interesse nos telemóveis, não obstante serem daqueles de 1997 em avançado estado de decomposição.

Às tantas, surgiu um sujeito de colete reluzente e cara de ASAE - a expressão carrancuda imprimida na face e o ar soberano que nos questionou: "A sua licença?". Curiosamente, não fez o mesmo aos comerciantes vizinhos - até porque o vendedor ao nosso lado zarpara para parte incerta antes que a autoridade lá chegasse.

Todo aquele que se aventura a vender na Feira da Ladra deve fazê-lo com um espírito de flexibilidade: não pode, ou não deve, haver obstinação nos preços fixos. Tudo deve ser regateado.
Alguns dos vendedores ouvidos pelo JN queixaram-se do crescente aparecimento de tendas para venda exclusiva de produtos novos, algo que consideram ser uma descaracterização da feira .

Todavia, e no que diz respeito aos artigos usados, não deixou de ser curioso e hilariante observar a vastíssima panóplia dos objectos que lá se encontram. De electrodomésticos com ar suspeito, pedaços de ferrugem de proveniência e utilidade desconhecida, telemóveis e dvd´s, toneladas de roupa, tupperwares recheados com moedas de um escudo ou frascos de perfume vazios. Tudo vale - desde que dê dinheiro para o pão para a boca. "
in JN online, 09-11-2008

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.