"Erotização da sociedade e dos bens mais insignificantes dita padrões de desempenho aos indivíduos e casais.
Todos mentem aos outros ou a si próprios quanto à actividade e satisfação sexual. A "culpa" será das mensagens erotizadas que se colam até às coisas mais comezinhas, numa sociedade que vê o sexo como um recurso finito.
A publicidade feita a bens tão simples como um iogurte generaliza a ideia de que o desempenho sexual de cada um deve ser perfeito, frequente e duradouro, mas a realidade será bem diferente. Apesar de as pessoas não o admitirem. Ou de só o confessarem em inquéritos, com a segurança do anonimato, e sob garantia do segredo profissional de médicos ou psicólogos. Elas estarão fartinhas do sexo. Pelo menos estarão cansadas de ter de cumprir os padrões mediatizados , inclusivé pelo cinema. Esta a perspectiva ontem transmitida por Stuart Walton, que ontem participou nas conferências "As Regras da Atracção", na Culturgest, comissariadas por Rui Trindade.
Segundo aquele ensaísta britânico, as consultas têm muita gente a queixar-se de cada vez fazer menos sexo. Mas, o que importará, segundo Stuart Walton, é que as pessoas, em vez de terapia, tenham mais tempo juntas, "tempo romântico, que pouco cabe nas vidas de rotina". Ainda na sua opinião, há a tendência para "um espírito de contabilista" quanto à periodicidade dos actos sexuais. Interroga-se Stuart Walton "por que razão tem de ser problema a falta de sexo e a necessidade deste não pode ir e vir como qualquer apetite?". O ensaísta considera também que havendo, numa relação prolongada, a tendência para a marginalização do sexo, este não pode ser o elemento definidor dessa relação. O sexo pode ter sido "o feriado", o que uniu o casal numa primeira fase e o desaparecimento do desejo pode ser natural. Até porque houve, entretanto o "efeito corrosivo" de realidades como a preocupação com os filhos e as rotinas diárias domésticas e do trabalho. Ainda assim, para essa fase, o conferencista aconselhou a "programar o sexo nessa vida atarefada".
Uma abordagem distinta foi feita pela socióloga Anália Torres, que falou dos vínculos emocionais e da forma como nas últimas décadas se reorganizaram os espaços da família, do amor e da relação com o trabalho. Afirmou a investigadora que se tem apostado mais no íntimo, o que constituirá uma espécie de refúgio, dado que cada vez se controla menos outras circunstâncias da vida, a começar pelo emprego. Anália Torres disse que nos últimos anos terem passado para a esfera pública questões antes ocultas. É o caso da interrupção voluntária da gravidez, da nova lei do divórcio, do casamento de pessoas do mesmo sexo, dos maus tratos a mulheres e crianças e da paternidade biológica e afectiva. Tudo questões que, curiosamente, surgiram nas sociedades espanhola e portuguesa em tempos quase simultâneos. "Tudo o que sucede em Espanha está também a acontecer cá", constatou Anália Torres para adiantar que "as pessoas reclamam direitos que antes pareciam não-reclamáveis".
Sublinhou a mesma socióloga que se gerou uma necessidade de compensação pondo ênfase no foro íntimo porque, apesar de maiores oportunidades individuais, também passou a haver maior risco e incerteza. Referindo dados recentes, Anália Torres lembrou que os europeus põem a família em primeiro lugar, seguida dos amigos, do lazer e trabalho. E admitiu ainda que a criança pode estar a ser vista como uma saída afectiva para as dificuldades emocionais entre os adultos. "
in JN online, 15-11-2008
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