Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Quantas doenças tem cada português?


"Cada português terá, em média, perto de duas doenças crónicas (1,8). Ou será apenas uma? No actual estado dos sistemas estatísticos e dos estudos epidemiológicos será arriscado defender uma resposta segura.

Ao longo do corrente ano, o JN guardou todas as notas e comunicados contendo estatísticas sobre incidência e prevalência de doenças no nosso país. As origens da informação são diversas e incluem associações de doentes, sociedades científicas, especialistas e, em menor número, empresas do sector farmacêutico. A conclusão é óbvia: para muitas doenças são apontados os dados mais díspares e raramente coincidem com as estatísticas oficiais - quando as há, claro.

"O conflito de resultados não impressiona nada quem está habituado a lidar com dados", confessa Marinho Falcão, responsável pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. E não é seguro, acrescenta, que as chamadas estatísticas oficiais sejam as melhores. "O estudo da frequência das doenças é muito difícil e o Estado tem limitação de recursos. É positivo que grupos de investigação se dediquem a patologias específicas, porque isso traz mais rigor nalguns casos".

Para chegar às médias referidas logo no início, foram considerados, como base, os resultados do último Inquérito Nacional de Saúde (ver explicações em baixo). Conclui-se que há uma doença por residente no país (em rigor, 1,012). Contudo, se ao mesmo leque de doenças forem aplicados os números recebidos ao longo de 2008 na redacção, essa taxa aumenta para 1,8. Sobe ainda mais se forem exaustivamente incluídos todos os números, mesmo de doenças não discriminadas no referido inquérito.

O que explica disparidades que, em muitos casos, são do dobro nos números oficiosos face aos oficiais (ver destaques)? Marinho Falcão começa por apontar a utilização de metodologias diferentes, acrescentando que nem sempre as amostras estão bem explicitadas ou então sobrevalorizam, por exemplo, apenas um grupo etário.

Pode tratar-se também de uma mera questão de conceitos, alerta Mário Jorge Santos, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP). Um exemplo: quando se diz que "40% da população tem sintomas respiratórios significativos", interessaria clarificar quais os sintomas considerados e, mais difícil ainda, qual a noção de "significativos".

Sejam de conceito da doença ou de definição da população, abundam situações em que estas dúvidas são legítimas. Um comunicado anuncia que 10% das crianças portuguesas têm dermatite atópica, mas nunca explicita qual o limite etário considerado.

À semelhança da proliferação de números por tudo e por nada, também as causas do fenómeno se multiplicam. Quando não há estudos nacionais, "vivemos muito da transposição de números europeus", aponta Graça Coutinho, presidente da Associação de Médicos Portugueses da Indústria Farmacêutica (AMPIF).

Também acontece, acrescenta Mário Jorge, que associações de doentes e sociedades científicas extrapolem dados a partir da sua amostra de inscritos. "De forma algo ingénua, utilizam os números para chamar a atenção quanto ao trabalho necessário numa patologia", explica. Se o fim é importante, o meio "nem sempre é correcto".

Mesmo nas doenças de notificação obrigatória, em que idealmente os números seriam cópia decalcada dos diagnósticos, "subnotificação" é o fenómeno que mina a confiança nas tabelas regularmente divulgadas. Porque os médicos "evitam a burocracia dos sistemas", defende Graça Coutinho, e porque sem eco dessas notificações "não sentem que haja uma mais-valia em o fazer", acrescenta Mário Jorge.

Sejam quais forem as causas, a falta de rigor tem uma consequência evidente. "Sem um retrato adequado da realidade, não se pode planificar", sublinha o dirigente da ANMSP. Não se canalizam tão eficazmente recursos e financiamentos. A prevenção pode falhar.

Na sua opinião, ferramentas informáticas adequadas resolveriam grande parte do problema (ver texto à direita). "Seria fácil, com software bem concebido, apurar automaticamente os diagnósticos a nível nacional", sustenta.

Se a necessidade de percorrer caminho é consensual, a ambição não deve ser desmedida. Marinho Falcão recorda que "não há estudos perfeitos. Há sempre desvios e margens de erro". Resta o desafio de os minimizar o mais possível."
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in JN online, 15-12-2008

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.