"Elas queixam-se de que o homem bom conversador é uma espécie em vias de extinção. Estarão os homens realmente a ficar mais chatos?
Do famoso matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783) se dizia que era um homem taciturno, pouco dado a grandes ou muitas vezes aborrecidos diálogos. Reza a lenda que durante uma recepção dos reis da Prússia, em Berlim - para onde se mudou aos 34 anos para assumir a posição de director de Matemática da Academia de Ciências -, não terá pronunciado mais do que algumas palavras durante o serão. "Porque não fala comigo?", questionou a rainha, intrigada com a incapacidade de um tão distinto estudioso em produzir pouco mais do que monossílabos em público. A resposta deixou-a desarmada: "Porque, minha senhora, venho de um país onde, se falarmos, somos enforcados Euler referia-se à Rússia, onde havia trabalhado antes". Depois disso, retomou a sua silenciosa refeição, não mais falando até ao final da noite.
O episódio, relatado em muitas notas biográficas do matemático, desculpabiliza a inabilidade social do cientista, mas, nos dias de hoje, em que a democracia garantiu a liberdade de expressão, o que explica que tantas mulheres se queixem que não conseguem manter uma conversa com um homem? Ou melhor, que eles são incapazes de manter uma conversa com elas. Será que na geração dos telemóveis, dos SMS, da Internet e dos "chats" os homens se estão a tornar tão socialmente inaptos que matam a sua interlocutora de tédio em menos de cinco minutos? Sem eufemismos: será que se estão a tornar chatos, como admite a jornalista e escritora Sabine Durrant num ensaio publicado numa recente edição da revista "Intelligent Life"?
Admitamos a provocação, ainda que as generalizações possam ser tão perigosas como o preconceito sexista. Estará de facto a espécie masculina a tornar-se mais enfadonha? A tentação de contestar pessoalmente a alegação é refreada por um sábio conselho que o presidente da Associação Comercial do Porto, Rui Moreira, me deu recentemente durante uma entrevista: "Se queres saber os teus defeitos, pergunta a uma mulher." Afinal, já dizia o velho adágio, ninguém é bom juiz em causa própria. Palavra a elas, então.
Teresa Castro, autora do blogue "Sem pénis, nem inveja", não rejeita o confronto. "Um homem só entedia quando não adivinha uma mulher", responde ao "Expresso". "Falta ao masculino a dose de intuição equivalente àquela que faz parte do património genético das utentes de vulva e sentido extra acrescentado aos cinco tradicionais." Dito de outra forma, falta-lhes serem mais parecidos com as mulheres.
A primeira estocada é forte, mas a segunda vai mais fundo na ferida aberta no ego masculino. "Os homens permanecem adoráveis crianças toda a vida. Para eles, salvo o dinheiro e a carreira, tudo é brinquedo: a líbido, as parceiras, o futebol mais as 'bejecas' e os petiscos, os catraios que engendraram e lhes servem de pretexto para voltar ao tempo dos comboios e do 'pouca-terra, muita-gente'".
Célia Rodrigues, educadora de infância de 37 anos, rejeita a generalização - "tenho muitos amigos interessantes" - mas admite que o homem bom conversador, capaz de seduzir uma mulher com palavras, é hoje uma espécie em vias de extinção. "A maioria é superficial e quer mostrar uma coisa que não é. Para se ser um homem interessante nem é preciso falar muito. Basta ter presença, saber o que se diz e como agir com uma mulher."
Predicados que, admite Maria, de 33 anos, não se encontram ao virar da esquina. "Só falam de motas, carros, bola ou gajas", atira. Pior mesmo só quando o assunto é sexo. "Se a mulher não lhes dá o que querem, não param de chatear". A acusação não é nova mas a solução para o problema é mais simples do que se pensa, a acreditar na autora americana Laura Schlessinger, terapeuta matrimonial e familiar: "Trate-o como ao seu animal de estimação. Se ele tiver sexo, exercício físico e comida vai portar-se bem! Se ele não quiser sexo, aceitará uma sanduíche", assegura no livro Viver a Dois, Viver Melhor, editado em Portugal pela HF Books.
Deixemos de parte a teoria, "tão redutora quanto idiota", na opinião de Teresa Castro, e voltemos à comunicação que é, afinal, a chave de qualquer relacionamento, seja ele profissional, emocional ou meramente social. Segundo uma ideia muito difundida nos últimos anos, sobretudo desde que John Gray escreveu o "best-seller" Os Homens São de Marte e as Mulheres São de Vénus, diferenças linguísticas profundas entre homens e mulheres ajudariam a explicar as dificuldades de comunicação entre os dois géneros.
Vários autores têm sustentado, por exemplo, que as mulheres falam, em geral, muito mais que os homens (e, certamente, muito mais do que muitos estão dispostos a ouvir, a julgar pelas queixas recorrentes delas), embora exista pouco consenso sobre a medida exacta dessa diferença. Um dos últimos "contributos" para o debate foi dado pela americana Louann Brizendine. Em The Female Brain (O Cérebro Feminino), a autora escreve que as mulheres pronunciam cerca de 20 mil palavras por dia, quase o triplo das usadas pelos homens (cerca de 7000). O livro cita vários trabalhos sobre as diferenças de género na linguagem, embora, em abono da verdade, nenhum pareça alicerçado em dados empíricos, uma lacuna aliás comum à generalidade dos "estudos" que têm vindo a alimentar os estereótipos sobre o comportamento verbal de homens e mulheres.
Segundo Brizendine, o fenómeno explica-se pelas diferenças de funcionamento entre o cérebro feminino e masculino. "Falar", escreve a autora, "activa os centros de prazer no cérebro feminino. Não se trata de um pequeno prazer. É enorme. É uma descarga de dopamina e ocitocina, que é a maior recompensa neurológica a seguir a um orgasmo." No cérebro masculino, está bom de ver que o efeito já não é o mesmo.
Por algum motivo, o debate sobre os problemas de comunicação entre homens e mulheres volta a esbarrar no sexo. Afinal, estarão os homens realmente mais chatos, ou será que, como defende Miguel Esteves Cardoso, "o que é chato é o ser humano". Haverá algo realmente mais chato que as perguntas-cliché e os preconceitos sexistas?"
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in Expresso online, 22-12-2008
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