"Ouça lá, não acha que já tem idade para ter juízo?" Manoel de Oliveira conduzia desenfreado e quando parou num semáforo ouviu o raspanete. O cineasta, então com 97 anos, corou. A seu lado, o neto, o actor Ricardo Trêpa, explodiu de riso.
Aos 100 anos, Oliveira é assim: desenfreado, como nos tempos de jovem piloto de corridas e campeão de salto à vara. Hoje, data de aniversário (o registo de nascimento reporta a dia 12, amanhã), roda algures em Lisboa ‘Singularidades de uma Rapariga Loira’, dono e senhor (diz quem com ele trabalha) de uma lucidez e energia estonteantes.
Cineasta dos planos parados, ele é o mais velho cineasta em actividade, título inscrito no Livro de Recordes do Guinness. A carreira começou-a ainda jovem, depois de aos 20 anos ingressar na escola de actores de Rino Lupo. Filho do primeiro fabricante de lâmpadas do País (Francisco José Almada de Oliveira), foi das mãos do pai que recebeu a primeira máquina de filmar, com a qual rodou ‘Douro, Faina Fluvial’ (1931). "A montagem foi feita em casa do meu pai, em cima de uma mesa de bilhar", contou vezes sem conta o realizador que, de uma vida centenária, só lamenta "a juventude perdida".
Mas se a estreia seduziu a crítica estrangeira não agradou ao público nacional. Como a maioria dos seus filmes. Oliveira nunca se preocupou com isso: "O facto de Vermeer [pintor holandês] não vender um único quadro (em vida) também não o impediu de continuar a pintar!?", constatou, sábado, em Lisboa.
Nos últimos 20 anos fez um filme por ano. "É o facto de continuar a filmar que não o deixa morrer", diz o realizador e amigo João Botelho. "Tem uma forma de filmar única no Mundo", reforça Mário Barroso, director de fotografia de vários filmes do Mestre. É como se Oliveira tivesse inventado uma nova arte. Porque da Sétima, o cinema, diz o realizador: "Não há outra que espelhe a vida tal qual ela é."
SEM PARAR
Oliveira está em Lisboa a rodar ‘Singularidades de uma Rapariga Loira’, a partir do conto de Eça de Queiroz. O filme é protagonizado por Catarina Wallenstein e Ricardo Trêpa, neto do cineasta.
CELEBRAÇÕES REÚNEM ALTAS PERSONALIDADES
Ninguém quer deixar de homenagear o cineasta na data do seu centésimo aniversário e, no Porto, a Fundação de Serralves arranca amanhã, às 21h30, com uma cerimónia que contará com a presença de inúmeros ilustres. À actriz Maria de Medeiros caberá a apresentação do evento.
Já no sábado, a Presidência da República associa-se às comemorações com uma cerimónia no Palácio de Belém, em Lisboa, às 19h30, sucedida de jantar. Cavaco Silva irá condecorar o cineasta com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique na presença de actores e realizadores.
Também alguns canais de televisão, entre os quais a RTP e o Porto Canal, prestam tributo a Oliveira, exibindo alguns dos títulos mais marcantes da sua filmografia e documentários sobre o Mestre, hoje e amanhã à noite. Em Janeiro, é a prestigiada Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles que homenageia o cineasta pelo "extraordinário contributo para o cinema".
Para breve, numa outra forma de agraciar Oliveira, o ministro da Cultura, José Pinto Ribeiro, conta definir a situação da Casa do Cinema Manoel de Oliveira. Havendo entendimento, o protocolo que dita a instalação do espólio do cineasta na Casa poderá mesmo vir a ser assinado na festa de Serralves, que deverá contar com as presenças (ainda sujeitas a confirmação) do primeiro-ministro José Sócrates e do ministro da Cultura.
DEPOIMENTOS
"Não devemos celebrá-lo apenas pelos 100 anos, mas também, e fundamentalmente, pela obra fantástica e única", Maria Cavaco Silva - Primeira-dama
"Deixa uma cicatriz no Mundo", Pinto Ribeiro - Ministro da Cultura
"Faz realmente o que lhe apetece, com a máxima liberdade. É um grande criador. Teria todo o gosto em voltar a trabalhar com ele", Maria de Medeiros Actriz, realizadora e cantora
"A sua obra e o seu percurso confundem-se com o próprio cinema português", Isabel Pires de Lima - Deputada e ex-ministra da Cultura
"Ele é português e ajuda o Mundo a compreender melhor o que é ser português", Jean-Michel Frondon - Editor-chefe da ‘Cahiers du Cinéma’
"Toda a gente rejubila, não só por fazer 100 anos, mas por vivê-los em plena vitalidade e talento. É um exemplo animador para os candidatos a centenários como eu", José Hermano Saraiva Historiador
ORDEM DO INFANTE
Recusou as Chaves da Cidade do Porto por um diferendo com Rui Rio, mas receberá a Grã-Cruz da Ordem do Infante.
PROJECTOS EM CURSO
Depois de ‘Singularidades de uma Rapariga Loira’, em rodagem, o Mestre quer filmar ‘O Estranho Caso de Angélica’.
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in CM online, 11-12-2008
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