- António Almeida -
Tinha 15 anos quando abandonou a escola. A sensação de que era a única pessoa do mundo com deficiência travou-lhe o gosto pelos estudos. As Novas Oportunidades mudaram agora a vida de António Almeida. Tem 51 anos.
Ele é um dos 340 adultos do Porto inscritos no processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), programa integrado nas Novas Oportunidades, que permite reconhecer o valor de cidadãos com deficiências e incapacidades, concedendo-lhes o 9º, o 12º ano ou mesmo o acesso à Universidade. Até hoje, já passaram pelo Centro 1255 cidadãos com problemas ao nível da visão, audição, fala, das funções mentais-intelectuais, da doença mental, das funções neuromuscoesqueléticas e relacionadas com o movimento.
"Confesso que não encarava o Centro de Novas Oportunidades da mesma forma que hoje", começa por dizer António, funcionário há 20 anos da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental do Porto, sediada no Bairro do Cerco. E não a encarava da mesma maneira pelo mesmo motivo com que tantos olham a oportunidade com desconfiança: "Achava que era injusto para os jovens, que passam tanto tempo em formação, quando nós, em pouco tempo, conseguimos adquirir os mesmos diplomas".
Depois, começou a olhar para os colegas, muitos só com a 4ª classe, e "a tirar-lhes o chapéu", a perceber que se havia alguma coisa injusta, talvez fosse o facto de a maioria daquelas pessoas não ter acesso ao diploma quando, afinal, tem, sem o saber, o conhecimento que dita o seu merecimento. Dá um exemplo: "As pessoas não sabem a matemática que sabem. Não têm noção, porque não aprenderam a teoria. Mas sabem aplicá-la, sabem fazer tudo, médias, modas, medianas, percentagens. Com os jovens acontece o contrário: sabem a teoria, mas não sabem ainda de que forma poderão aplicá-la ao longo da vida".
Ali, os alunos não aprendem; são desafiados a mostrar o que sabem, a executar um portfólio "sem modéstias". É, no fundo, a consciencialização do seu saber.
António viu ali, nas Novas Oportunidades, uma oportunidade de ajustar contas com a vida. "Foi uma vingançazinha", diz, a rir. Desistiu do liceu - do antigo D. Manuel II, actual Rodrigues de Freitas - por causa da "falta de acessos que imperava nos estabelecimentos de ensino". Ele, que na altura ainda andava de canadianas e aparelhos vários, fruto de uma meningite para a qual não tinha sido vacinado, e que culminou numa poliomielite, sentia-se discriminado, cansado. "Entrar na escola, subir as escadas até à sala era um desgaste terrível, que depois se reflectia na ausência de aproveitamento escolar", recorda.
Chegou a pensar que o seu problema não seria motor, mas intelectual, porque não via rendimento. "Lembro-me de perguntar à minha mãe se eu era a única pessoa com deficiência, porque não via ninguém como eu no liceu nem fora dele. E não entendia porque razão ela me obrigava a estudar, a participar, a sair à rua. Dizia-lhe: "Mas não há ninguém como eu". E ela, com a sapiência das mães, respondia-lhe: "Tu nunca vais depender de ninguém".
Por isso, quando os formadores lhe perguntaram porque razão queria completar o 9.º ano (só lhe faltavam duas cadeiras) ele, que tem vida profissional activa, que é casado e pai de uma menina de 15 anos, disse apenas: "Já que fui injustamente privado no passado de estudar, quero agora trabalhar para a minha promoção pessoal". E é isso que, "se tiver forças", vai fazer: avançar para o 12.º ano e, quem sabe, para a universidade.
A Agência Nacional para a Qualificação acaba de editar um manual para o RVCC, que irá introduzir novas dinâmicas nas aulas, permitindo aos orientadores reajustar as estratégias.
in JN online, 15-6-2009
Sem comentários:
Enviar um comentário