Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

domingo, 14 de junho de 2009

Luís Carmelo: As eleições, o "mata mata" e Manuela Moura Guedes...


«Na semana passada, grande parte dos comentadores destas crónicas não debateu o que era proposto, tendo deslocado os argumentos para uma espécie de referendo sobre a figura de Manuela Moura Guedes. A questão que se pretendia debater era esta: em muitas condenações públicas, o que está em causa não é tanto a figura que suscita o 'ódio', mas sempre uma ferida maior, de que essa figura (o exemplo dado era o de Manuela Moura Guedes) se torna moeda de troca ou imagem. Em vez de comentar esta ideia, que me parece simples, os muitos comentários à minha crónica preferiram o 'bate bate' ou, relembrando um famoso gaúcho, o "mata mata". Acontece aos melhores.

O que se passou há oito dias, nesta singela coluna, é o que se passa em muitas eleições. Mais do que aceitar a substância dos desafios propostos - no caso mais recente, acerca de questões eminentemente europeias -, os eleitores preferem geralmente castigar, protestar, esquematizar e ajustar posições. É um modo de agir razoável, legítimo e compreensível. E, sobretudo, livre. No entanto, este pressuposto não é apenas apanágio dos eleitores; é-o também dos partidos.

Ou seja, se Manuela Moura Guedes, na minha crónica anterior, funcionou como bode expiatório para uma secreta fúria fantasmática (por aprofundar), nas recentes eleições europeias foi o PS que assumiu esse papel de (desejado) tiro ao boneco. Que circunstâncias tão únicas terão ocorrido para que o PS passasse a ser moeda de troca, ou imagem, de uma tal (e mais do que legítima) fúria eleitoral? Não, não foi apenas a crise dos mercados. Nem tão-só o lago azulado do Freeport de Alcochete. O que gerou, no imediato, a fúria foi outra coisa.


Essa outra coisa germinou num comício realizado em Évora. Foi nesse momento da campanha eleitoral que Vital Moreira iniciou a redutora estratégia de implicação BPN-PSD e que Capoulas Santos chegou a perguntar aos presentes: "Vamos entregar a governação a essa trupe?" (leia-se: ao 'pacto' BPN-PSD). A semente foi assim atirada à terra e acabou por gerar frutos porventura inesperados. Não é difícil entender que os socialistas tenham tentado exorcizar outras "campanhas negras" e antigas "cabalas" - recorrendo ao seu próprio vocabulário - com este desafio estratégico, mas o dislate que daí emergiu acabou por ditar o sentido reparador do voto: um castigo exemplar sem ligação directa - reconheçamo-lo, já agora, francamente - com os temas capitais da eleição europeia.

O PSD foi um justo vencedor no passado domingo. Foi-o pela percepção de esgotamento das campanhas tradicionais. E foi-o, também, pela exaustão do "mata mata" socialista - esse derrame quase inquisitório a que as pessoas facilmente recorrem, mas de que, no fundo, não gostam. O voto nestas eleições foi particularmente livre, mesmo cruel. Repare-se que os votos brancos e nulos - um novíssimo clímax da nossa tradição eleitoral - corresponderam, como nunca antes acontecera, a uma rara determinação de muitos eleitores. Pode dizer-se que um novo partido sem rosto e sem nome apareceu na cena eleitoral para baralhar todas as sondagens e o próprio espírito "mata mata" do nosso esclarecido povo.

Pelo meu lado, desenhei no boletim de voto um traço vertical por cima dos vários campos e quadradinhos. Uma linha recta que podia condensar o universo inteiro. Uma verdadeira obra de arte. Podem crer.»

Crónica de Luís Carmelo, Expresso online, 14-6-2009


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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.