Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Porque razão o Rei Filipe VI tem o título de Rei de Espanha e Rei dos Algarves?


- D. Sancho I -

Sabia que o Rei de Espanha também se intitula Rei dos Algarves? Descubra os meandros da história de Portugal que levaram a esta curiosa designação.

Até ao fim da monarquia portuguesa, em 1910, o chefe de Estado no nosso país tinha o título de Rei de Portugal e dos Algarves, D’Aquém e D’Além Mar em África, etc.

Após o golpe de estado republicano, o reino de Portugal foi abolido, embora não o Reino dos Algarves, pelo que este estaria ainda presumivelmente na ordem constitucional atual.

Curiosamente, o Rei de Espanha usa ainda o título de Rei dos Algarves. Mas por que razão? Para dar contexto, precisamos de enquadrar os acontecimentos com um pouco de história.

O Al-Gharb dos muçulmanos não correspondia exatamente ao Algarve de hoje, indo desde Coimbra (Kulūmriyya) até às fronteiras do atual Algarve, sendo que o território era um reino com capital em Silves (Xelb).

O Algarve islâmico atingiu um nível elevado de esplendor económico e cultural, que vinha já a crescer desde a época romana.

Durante mais de cinco séculos, de 711 a 1249, os cristãos tentaram conquistar território aos muçulmanos da região, criando-se para isso por vezes uma lenda negra. Mas a verdade é que conviviam diversas religiões sob o domínio muçulmano, incluindo a região cristã.

O nosso primeiro rei nunca chegou a pisar as terras do atual Algarve, cabendo ao seu filho, D. Sancho I, conquistar Silves em 1189, proclamando-se assim Rei de Silves e do Algarve. Acabou por perder novamente a cidade para os mouros em 1191, perdendo também o título.

Os reis seguintes cobiçavam os territórios mouros para poderem aumentar o seu território, mas a ordem de conquista devia ser dada pelos Papas.

Foram precisos 5 reis portugueses e a ajuda de Cruzados durante mais de um século para conquistar definitivamente a região.

Aliás, da conquista de Silves por Sancho I à conquista final de D. Afonso III em 1249 passaram 78 anos, até se conseguirem os territórios que hoje correspondem ao Algarve.

A última parte do território atual a ser conquistada aos mouros foram os enclaves de Faro, Albufeira, Aljezur e Loulé, que foram conquistados durante o reinado de D. Afonso III.

Para o fazer, realizou um acordo com os mouros: estes teriam a mesma lei em todos os assuntos, podiam ficar com o seu património e casas e o Rei iria defendê-los e ajudá-los contra outros povos.

Quem quisesse ir embora era livre de o fazer e de levar os seus bens. Os cavaleiros mouros que ficassem passariam a estar ao serviço do Rei, mas este devia tratá-los com honra e respeito.


- D. Afonso X de Leão e Castela -

Foi assim que Faro “caiu”, caindo um pouco mais tarde Loulé, Aljezur e Porches. No entanto, o processo de assimilação das cidades e região foi dificultado pelo reino de Castela, que alegava direitos de posse de feudos no território.
Afinal, o Rei de Leão e Castela cobiçava também este rico território. Como argumento, os espanhóis diziam que o Reino dos Algarves lhes pertencia, já que o Rei do Al-Gharb, Musa ibn Mohammad ibn Nassir ibn Mahfuz, prestou vassalagem a Afonso X de Espanha.
D. Afonso III casou-se então com a filha do rei de Espanha, D. Beatriz (ou Brites) de Castela, criando assim um laço de aliança. Tudo acabou por se resolver com o Tratado de Badajoz, assinado a 16 de fevereiro de 1267, em que D. Afonso X de Castela cedeu os direitos do Algarve para Portugal e onde se estabeleceu o Guadiana como linha de fronteira natural entre os dois reinos.
Assim, Portugal ficou mais ou menos com a delimitação de fronteiras que atualmente tem, sendo por isso a nossa uma das nações com as fronteiras mais antigas do mundo. D. Dinis seria também eleito o herdeiro do trono do Algarve.
A este acordo sucedeu o Tratado de Alcanizes, assinado em 1297, onde se consolidaram as fronteiras entre Portugal e Leão, sendo assinado já por D. Dinis, sucessor de D. Afonso III. Neste tratado fixou-se a fronteira a norte do Tejo e ocorreram alguns acertos ao anterior Tratado de Badajoz.
A estratégia de D. Afonso III para conseguir a paz
Apesar de ser casado com Matilde II de Bolonha, em 1253 D. Afonso III casou com D. Beatriz, filha de D. Afonso X de Castela.
O Papa Alexandre IV, em resposta a uma queixa de D. Matilde, ordenou a separação do Rei e Rainha de Portugal, mas D. Afonso III tentou ganhar tempo, e tudo se resolveu com a morte de D. Matilde em 1258.
Por esta altura, já D. Dinis tinha nascido do casamento com D. Beatriz, tendo este sido legitimado em 1263.
O casamento com D. Beatriz acabou por servir o seu propósito de pôr termo à luta pelo Reino dos Algarves, resultando também em mais riqueza para o reino, já que D. Beatriz, após a morte do pai, recebeu uma região a Este do Guadiana, onde se incluíam Moura, Serpa, Noudar, Mourão e Niebla. Esta dádiva foi dada à Rainha em virtude do apoio ao seu pai durante o seu exílio em Sevilha.
Tudo se resolve graças ao amor de um avô pelo seu neto
D. Dinis era assim neto materno de D. Afonso X de Leão e Castela. Tal como o avô, D. Dinis era poeta, o que constitui uma ligação a D. Afonso X, que tinha escrito vários livros, incrementado a cultura e até fundado a Escola de Tradutores de Toledo e um Observatório Astronómico.
Ao prescindir dos seus direitos sobre o Algarve, D. Afonso X favoreceu em muito Portugal e o seu neto, na altura com apenas 5 anos.
Diz-se que D. Dinis terá visitado o avô em Espanha quando era criança, e que este ficou tão impressionado com ele que decidiu abdicar do Algarve a seu favor.
Por uma questão de orgulho, no entanto, manteve o título de Rei dos Algarves, ainda hoje em uso pelo atual Rei de Espanha, Filipe VI. Como curiosidade, o Rei de Espanha usa também o título de Rei de Jerusalém.


Filipe VI, Rei de Espanha e Rei dos Algarves -




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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.