Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

domingo, 22 de setembro de 2024

A Estúpida, a Velha, a Puta e a Infeliz



 

A Maria é professora. E também é estúpida. Ela sabe que é estúpida porque o João, o seu marido, lho diz. Explica sempre tudo o que a Maria expressa. E o João sabe o que diz. O João não tem nenhuma formação específica e prefere o café ao trabalho. Mas o João não é estúpido porque é homem e os homens não são estúpidos.

A Raquel tem 50 anos. A Raquel é velha. Ela sabe que é velha porque o Pedro, o seu companheiro, a esclarece com frequência. Aponta lhe os cabelos brancos, as rugas no rosto, a flacidez das mamas. O Pedro tem 55 anos. Tem cabelos grisalhos, duplo queixo e a barriga já lhe encobre a pouca masculinidade. Mas o Pedro não é velho porque é homem e os homens não envelhecem.

A Filipa é estudante. E é puta. Ela sabe que é puta porque o Miguel, o seu namorado, lho explica. Às vezes com manifestações físicas: já lhe rasgou o decote de um top, já lhe esfregou o batom pelo rosto, já a proibiu de usar certas saias. O Miguel implora sexo a tudo o que mexe, oferece-se em praça pública, exibe-se em tronco nu. Mas o Miguel não é puta porque é homem e os homens não são putas.

A Bárbara é uma mulher realizada. E é infeliz. Ela sabe que é infeliz porque a Joana, a sua mãe, a informa constantemente. Precisas de alguém que te faça feliz, repete. A Joana é casada com o Raul, pai da Bárbara. O Raul é um adúltero que se diverte a abusar psicologicamente da Joana. Continua casado por cobardia. Sente um desprezo natural pela inércia da companheira. Mas a Joana não é infeliz porque ‘tem’ um homem e quem ‘tem’ um homem não é infeliz.

(Texto de Ruth Martins, via Happiness)

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.