Destas mãos que falam, saem gritos d'alma, gemidos de dor, às vezes, letras com amor, pedaços da vida, por vezes sofrida, d'um quase iletrado escritor. Saem inquietações, também provocações, com sabor, a laranjas ou limões. Destas mãos que falam, saem letras perdidas, revoltas não contidas, contra opressões, das nossas vidas! (Alberto João)

sábado, 26 de setembro de 2009

Raquel e António: Era uma vez...

...uma paixão.


«Passavam quatro anos desde que Raquel Cristina dos Santos Pereira sonhava com o dia em que conheceria o autor da frase 'O inferno consiste em lembrarmo-nos a eternidade inteira', da obra ‘Boa Tarde Às Coisas Aqui em Baixo’. Desde que começou a fazer um mestrado nas obras de António Lobo Antunes, a jovem brasileira, de 31 anos, começou a nutrir uma paixão platónica pelo escritor português. 'Imaginava-o pelas entrelinhas, sonhava com ele acordada. Era como se conseguisse visualizá-lo a escrever as palavras dos livros que eu devorava', conta à Vidas Raquel dos Santos.

Assim que soube que o seu autor preferido ia estar presente na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro, Raquel apressou-se a percorrer mais de 600 quilómetros entre São Paulo e Paraty com os livros de Lobo Antunes a tiracolo prontinhos para serem autografados. Era dia 4 de Julho. 'Cheguei cedo, porque sabia que a sessão de autógrafos ia ser concorrida', relembra. Raquel pôs-se na fila e conta, cheia de emoção, o momento em que ficou frente a frente com Lobo Antunes.

'Aqueles segundos parecem ter durado uma eternidade. Ele levantou a cabeça, olhou para mim e parou. De repente, as pessoas à volta começaram a bater palmas', conta Raquel. A editora da revista ‘Teia Literária’ tremeu da cabeça aos pés, tinha as mãos a pingar de suor. 'Entreguei-lhe o ‘Fado Alexandrino’ e ele perguntou o meu nome. Escreveu uma dedicatória. De seguida, deixei-lhe uma edição da revista que edito e uma cópia da minha tese de mestrado.'

Quatro dias mais tarde, Raquel voltou a cruzar-se com Lobo Antunes e com Maria João Bustorff, com quem o escritor português já foi casado. A brasileira foi ao Real Gabinete Português, no centro do Rio de Janeiro, propositadamente para ter uma dedicatória em ‘Manual dos Inquisidores’. 'Assim que ele me viu, abriu um sorriso e cumprimentou-me pelo meu nome. Nem queria acreditar que ainda se lembrava de mim!', relata Raquel. Desta vez a conversa foi mais longa. Lobo Antunes disse à jovem que havia gostado muito da sua dissertação de mestrado e que não se importava de escrever um artigo para a revista. 'Fiquei incrédula!'

Raquel nunca pensou, porém, que Lobo Antunes tivesse disponibilidade de enviar um artigo para a sua revista. 'Não lhe deixei nenhum contacto. Por isso, pensei que ele disse aquilo apenas por simpatia.' Dez dias mais tarde, entretanto, Raquel fica surpreendida ao receber um e-mail da editora D. Quixote. 'Disseram que o Lobo Antunes queria entrar em contacto comigo.'

A partir de então, a história de amor começou a consolidar-se. 'Trocávamos inúmeros e-mails e telefonemas. Estava encantadíssima com ele e ele por mim. Havia química, empatia. Havia desejo... Eu tinha-o visto com a Maria João Bustorff e pensei que fossem um casal. Assim que começámos a falar, insisti em saber se ele era comprometido. Sempre me disse que era um homem livre.'

Dos contactos virtuais ao primeiro toque levou tempo. 'Queríamos muito estar juntos. Falávamos de como seria a nossa relação, imaginávamo-nos a dar asas a esta paixão', diz Raquel. A editora brasileira tratou então de recusar um convite para dar aulas numa universidade de São Paulo, largar a sua vida no Brasil e ir ao encontro daquele que julgava ser a sua alma gémea, com planos de casamento em mente. 'No dia 14 de Agosto cheguei a Lisboa. Foi um momento emocionante. Vi o António com um ramo de rosas nas mãos e um olhar acolhedor. Recebeu-me com muito carinho.'

Do aeroporto seguiram para a casa do escritor, no centro da capital. Pela tarde, deram uma volta de carro pela cidade e depois fecharam-se totalmente em copas... por três dias. 'Só saímos de casa uma vez para almoçar. As pessoas perguntaram logo se eu era a rapariga que estava no jornal [o CM desvendou em primeira mão todo o romance]. Fiquei muito envergonhada e o António irritado.'

No dia 17 de Agosto, Lobo Antunes fugiu das objectivas e da vivência buliçosa da capital e refugiou-se nas Beiras. Quase ninguém o viu em Nelas, vila com a qual o escritor tem um amor platónico mas também muito real. Era para aí que ele ia passar as férias nas décadas de 1950 e 1960, para uma casa que o avô construiu mas que depois a família vendeu.

Lobo Antunes não perdeu tempo e mostrou de imediato a Casa do Castanheiro a Raquel. Não puderam tocar na planta que a reveste nem tão-pouco subir à varanda onde o autor, quando jovem, passou várias horas a admirar a Serra da Estrela. O escritor, que já demonstrou várias vezes intenção de recuperar aquela casa, não a pôde visitar nem mostrar a Raquel, porque os donos estavam no Algarve.

Esta contrariedade não esmoreceu a alegria do casal, que depois seguiu para o Hotel da Urgeiriça, onde ficou hospedado. Raquel e o escritor viveram dias de intenso amor. Diz quem viu que estavam 'perdidamente apaixonados'. 'Andávamos sempre abraçados e aos beijos. Estávamos apaixonados e não tínhamos vergonha de o mostrar', justifica a brasileira.

Durante os dez dias em Nelas, o casal levantou-se bem cedo e depois de tomar o pequeno-almoço vagueava pela região. Subiu à Torre – na Serra da Estrela – e desceu a muitos sítios recônditos dispersos pelas serranias e planaltos. À noite, jantava sempre no restaurante real do Hotel da Urgeiriça. 'Sou ‘vegan’, ou seja, não como nada que tenha origem animal, como ovos ou queijos. O hotel acabou por se adaptar aos meus gostos e fazia pratos especificamente para mim', relata.

José Correia, ex-presidente da Câmara de Nelas, é um dos amigos pessoais do escritor e das poucas pessoas que souberam da sua presença na vila. 'Confidenciou-me estar a viver um momento especial na sua vida e apresentou-me a sua companheira. Senti uma forte química entre os dois', refere o ex-autarca, a quem o escritor revelou que o seu próximo livro vai ter Nelas como epicentro.

Lobo Antunes ainda teve tempo para mostrar a Raquel a rua e a biblioteca com o seu nome. 'Ele mostrou-me com orgulho essas obras da vila. Fiquei emocionada', afirma Raquel. Passearam de mão dada pelas artérias da vila, onde passaram quase sempre incógnitos. 'Andavam quase sempre agarradinhos. Pareciam um casal de adolescentes', comenta uma comerciante da Rua Sacadura Cabral, adiantando que os dois espalharam simpatia pelas pessoas que com eles se cruzavam. 'Fui muito bem recebida. Nunca senti ninguém a olhar-me de forma diferente por eu ser brasileira ou por termos uma diferença de idades de 35 anos', relembra Raquel, acrescentando que foi apresentada ao sobrinho e ao irmão de Lobo Antunes.

À medida que os dias passavam mais longínquos ficavam os planos de subirem ao altar. 'Falámos muito sobre a nossa relação. A nossa história de amor é muito bonita e marcante mas tínhamos de tomar uma decisão realista', lamenta a editora. No dia 10 de Setembro, Raquel dos Santos decidiu voltar para o Brasil. 'Sou filha única e não consigo ver-me longe da família. Sou activista dos direitos dos animais e custa imaginar-me longe dos meus bichos...', começa por explicar Raquel sobre o motivo que levou à ruptura.

'Na verdade, ambos criámos muitas ilusões e expectativas. Não temos vida para viver este namoro. Ele tem uma agenda muito preenchida e vimos que já não dava para seguir em frente.' Quando questionada se por um grande amor não valeria a pena o esforço, Raquel fez silêncio. 'Essa é uma pergunta difícil. Ele tem a vida dele em Portugal e eu a minha no Brasil. Além disso, tenho uma personalidade forte e difícil de lidar. Não resultaria, não somos compatíveis.'

De um romance que parecia ter todos os ingredientes para durar, contam-se os dias: menos de dois meses desde o primeiro olhar. Mas Raquel não se arrepende. 'Faria tudo de novo. Não acho que tenha sido uma loucura. Por amor, tudo vale...' »




Texto e fotos in CM online, 26-9-2009

2 comentários:

Anónimo disse...

Que história fascinante, apaixonaram-se sem se tocarem, que lindo, pouco se vê acontecer.

Lisboalita disse...

Tenho uma noticia sensasssss de Lisboa !
Antonio Lobo Antunes anomorado a uma mulher que se chama Leïla, uma arabe de Paris. Uma realizadora de documentarios.

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"Horta do Zorate" é o blogue pessoal de Alberto João (Catujaleno), cidadão do mundo em autoconstrução desde 1958.